domingo, 6 de setembro de 2015

Matar para viver

Saber matar é saber viver, mais ou menos assim entendi a frase do meu marido, ao final de uma sessão do novo filme do Woody Allen, “O homem irracional”. Foi o que me bastou para gostar mais do filme, aquém das minhas expectativas. A conversa que se seguiu no carro, no longo caminho de volta para casa, porém, foi tudo de bom.

A vida é nascimento, crescimento e morte, quer seja de uma planta ou de um animal como nós. E quem não sabe matar o que já teve seu tempo, o que não dá mais conta do presente, o que não responde aos anseios,  vai precisar de uma outra adrenalina na veia para cumprir o que a metáfora não fez,  partindo para as vias de fato.


Ainda há pouco terminei minha leitura do jornal de domingo e, como sempre, gosto do que escreve o psicanalista Alberto Goldin. Sob o título de “Caverna imaginária” ele comenta sobre o que comentou com amigos a respeito de uma relação dupla de um homem que diz amar duas mulheres. Tal qual meu bom bate-papo pós-cine, uma de suas interlocutoras diz que ‘quem não consegue matar não consegue viver’, e outro arremata: ‘cirurgias e separações, quando inevitáveis, não adianta remarcar para o mês seguinte, são circunstâncias que só o centro cirúrgico, com um pouco de dor e sangue, resolve’. Fez-me lembrar imediatamente de quando pedi para sair de um emprego onde estava há quase 18 anos. Eu via o representante maior da administração e tinha vontade de chorar, foi dolorido o processo, foi dolorida a decisão, até porque nunca há uma certeza absoluta, então, é passar pela dor. É preciso matar algo para que algo novo possa nascer e se esse novo também não for o que você espera, mate de novo. Acho que é por aí o caminho da juventude cerebral.


Fico pensando que antigamente as pessoas pareciam estar mais acostumadas à dor e que hoje fazem tudo para escapar dela. Acho a dor inescapável, é condição de ser humano e, de certa forma, em certa dose (que bom que fosse sempre na dose certa), produtiva, útil, boa e transformadora. Mas isso já é tema para outra conversa. Bom domingo procês.