sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A caixa preta do leitor


Ano passado eu li 24 livros. Da maioria, gostei muito. E fiquei pensando afinal do que eu gostei, se os livros eram tão diferentes, na temática, no estilo, na natureza dos escritores.

Acho que o que mais gosto em um livro, em um conto, em uma poesia, é a capacidade de ser presa e arrastada para uma estória onde, a princípio, não estou, e depois ser surpreendida e arrebatada pelo seu desenlace para finalmente me ver nessa estória, questionando-me sobre o que foi mais marcante para mim, como e porque, e se isso vai mudar alguma coisa em mim, no meu comportamento, de que forma impacta minha vida.

Para mim, receita de bolo é para bolo. Um bom texto tem que instigar o leitor a pensar por si, a concluir por si, e só dar os elementos. Claro, se fizer isso com poesia, humor, irreverência, profundidade, perspicácia, sentimento ... se convencer, será muito mais ainda que um bom livro. E que bom que temos tantos ótimos livros.

Quanto às críticas, que podem às vezes serem expressas sob formas de notas, quaisquer notas, acho que também são muito válidas. Imagine-se um escritor. O que ouço de muitos deles, em entrevistas, é que observam o comportamento do homem comum e passam a imaginar situações que ele vive, que ele poderia viver, tentam se colocar em seu lugar para viver aquela realidade e nos fazê-la viver igualmente. Então, imagine-se novamente um escritor. Você gostaria de ouvir elogios a sua obra, por certo, mas talvez também gostasse de críticas, para evoluir, para mapear seu público alvo, para ver o que seus olhos, limitados pela abrangência da sua ‘visão’ pessoal, não te possibilitaram. O leitor é esse terceiro olho, ou quarto, ou quinto, é seu olho ‘n’, tão múltiplo quanto a vida. 

domingo, 22 de janeiro de 2012

Você tem peito?

Quero falar do absurdo que é o governo repassar para os planos de saúde brasileiros - e estes a nós, que temos que pagar para ter aquilo que os impostos não nos garantem, apesar de ser seu dever constitucional - o custo da troca de próteses de silicone francesas exportadas para cá sem a devida especificação e trazendo riscos de câncer de mama, entre outros.

Ora, continuamos sendo o país tupiniquim que tira dos seus o que seria a obrigação do primeiro mundo, agora possivelmente em vias de falência? O que nos faz ser subservientes assim? Por que não exigir que o país de De Gaulle, que por conseguinte deveria ser sério, honre seu nome e reembolse e encarregue-se de todos os custos referentes a essa substituição? Porque o governador gosta de passar férias lá? Porque Sarkozy é amiguinho do Lula? Mandem para cá o chefe da capitania de Livorno. Nos falta alguém de peito, com trocadilhos, por favor.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Ai meu Deus!


Nunca me permitiram questionar quem era Deus, e menos ainda qualquer ato seu ou a ele atribuído. Dogmas e verdades absolutas eu tinha que engolir, senão, castigos, ameaças, penitências, e o pior: não entrar no reino dos céus.

Assim cresci sem saber porque deveria acreditar no que dizem os homens, que como eu erram e mentem e aumentam e contam a estória do vencedor.

Como minha razão nunca foi chamada, se escondeu num canto qualquer, entre o medo, a culpa e o pecado.

Na adolescência, experimentei o catolicismo e desencantei-me com os exemplos dos párocos e a hipocrisia eclesiástica, mas até para isso
a própria igreja tinha a explicação: o problema não estava na doutrina, que é pura e legítima, mas nos homens, que têm o chamado livre arbítrio, e erram e pecam. Para isto foi feito o perdão, da infinita bondade de nosso senhor. Ah tá, tudo certo então, o sofisma perfeito.

No fundo sempre admirei a inteligência, astúcia, estratégia e visão de futuro da igreja, que soube justificar as próprias falhas ao mesmo tempo em que enriquecia e estendia seus tentáculos aos governos, mandos e desmandos. A não ser, é claro, que algum impuro ousasse questionar as verdades, mas aí era só chamá-lo de herege. O mundo se encarregaria de afastá-lo como a uma praga e olhá-lo de esgueira como fosse um tuberculoso no século passado, a cuspir blasfêmias sanguinolentas que levam direto ao fogo ardente do inferno.

Essa noção maniqueísta de bem e mal, de certo e errado, de virtude e pecado, eu também vi no espiritismo, com o qual tomei ligeira intimidade ainda nesta fase da minha vida e mais tarde um pouco, novamente. Achei mais crível a vida após a morte sob esse ponto de vista, o reencarnar de alguns. Também confortador, não resta dúvida, já que nós ocidentais queremos a vida eterna como lenitivo, não fomos preparados para uma efemeridade. Isso não apoiaria as teorias de dominação e manipulação que usam para mover-nos como marionetes.

Por outro lado, expiar os pecados em outra vida não me convence, é o mesmo conhecimento especulativo de que o sofrimento se recompensa com a felicidade futura. E, mais importante, não provada, exceto pela fé. Faz-me lembrar a parábola da Roupa Nova do Imperador. Qual a diferença de nós, catequizados, para os árabes que dão a vida em uma guerra, por exemplo, acreditando na promessa de outra vida feliz e prazerosa num harém de virgens? Cada um crê no que prefere, no que mais responde às suas dúvidas, anseios, incertezas, desejos.

Vi algumas provas de que existem espíritos e como até hoje o homem realmente não alcançou explicar contundentemente a origem da vida, o mito se mantém, e as religiões dele se apropriam como ninguém. Como ninguém não, também os políticos que defendem posições que em tese deveriam ser creditadas ao famoso livre arbítrio, (que de livre não tem nada), se apoderam do que for mais útil, a um voto, ao poder, ao status quo... Aborto, relações extraconjugais, homossexualismo e por aí vai. Variantes do mesmo não respeitar de diferenças. Daí ao fanatismo, não falta muito... mais um Hitler que se avizinhe, aqui ou acolá, disfarçado de coisa outra e está feita a cama. Você se dá conta?

Até os pais, aparentemente sem interesse que não seja salvar a alma de seus rebentos, usam e abusam desta dita teologia para educar intimidando, defendendo seu território e resguardando-se de questionamentos, sim, porque pensar sempre foi perigoso, tenham em conta. Nossa educação e cultura massificadas estão aí e não me desmentem. Uma andorinha só pode sim fazer, verão, se lhe derem a chance e permitirem que o bando a siga, mas aí já são outros quinhentos que o arbítrio não é para tantos.

Eu falo isso, mas essas coisas são tão arraigadas, tão misturadas com minhas fibras musculares, entrelaçadas, confundidas, labirínticas, que não pude evitar batizar os meus filhos, ainda que ninguém frequente religião alguma. Tampouco são proibidos, ofereço a eles o mesmo alvedrio que usam outros defendendo o contrário. Porque o vento que venta lá, venta cá, não é mesmo? Ou pelo menos pode.

Também já ouvi muito dizer que os que se dizem ateus não se esquivam de implorar a Deus se uma dificuldade maior se lhes aperta. Ah sim, eu concordo, fomos forjados e não estando o tempo todo na razão, posto que somos um mix (alguns mais destemperados que outros) e principalmente não estando no controle, e ainda mais quando a desgraça nos abate, qualquer coisa ou pessoa ou divindade que nos aproxime da esperança é bem-vinda. Este é o homem, afinal, imperfeito, incongruente, desconexo.

E além do mais, há de se reconhecer os méritos das igrejas todas, que descobrem, unem e transmutam pecadores em fiéis, livrando-os até de alguns vícios, verdade seja dita. Estudos há que comprovam que os religiosos vivem mais inclusive, não pela fé em si, mas pela convivência social, pelo apoio e aceitação que a familiaridade em grupo proporciona, pela tranquilidade de haver ‘descoberto’ o sentido do ser, de servir, de poder sacrificar-se em benefício de algo maior, relevando, perdoando, oferecendo a outra face. Tudo isto pode ser realmente benéfico ao coração.

Mais tarde, conheci o Evangelho de Saramago e me diverti com suas estórias que recriam a história que não sei se era mesmo como contam, mas não importa saber. Sempre posso interpelar, imaginar e escolher no que quero, e se quero, crer e confiar. Sou eu quem decide se a um Deus deve temer-se e que sacrifícios (se algum) valem sua glória (vaidade?) eterna.

Para mim, o divino em nós está dentro de cada um, e um Deus deveria conhecer a bondade no coração dos homens sem necessidade de por essa fé à prova.

Então voltam à mente a vida e a morte. A morte é certeza e vida depois dela, se há ou não, e se existe, como é, é consolo e arma usados por tantos para justificar atitudes incontáveis, inclusive as mais vis.

A lição que fica já estava, mas não me dei conta antes. No âmago de tudo, eu e você, nós, que fazemos e acontecemos aqui. O que fazemos, como fazemos, como vivemos e deixamos viver. O que importa é isso.

Trago uma boa nova, velha e recontada sob os olhos de um que se dizia ateu, mas assim não me pareceu, já que duvida do como
sem negar o fato. Se no princípio era o verbo, agora é o sujeito.
Decida você a sua verdade e seja feliz.