sábado, 26 de janeiro de 2013

APIMENTADA




Venha e não me fale de virtudes
cale-se comigo e a meu lado
encoste seu corpo no meu
deixe que nossos olhos se vejam
e no infinito dos espelhos se encontrem
aperte a minha mão
entrelace-me com suas pernas firmes
umedeça a minha nuca
e apenas suspire ao pé do ouvido
nenhuma palavra
nenhuma mentira
nenhuma falsa promessa
nossos órgãos famintos farão o resto
executarão a música silente
e cumprirão no orgasmo da alma
o gozo de todas as sinfonias.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Pensar, professor, pensar


O Pensador, famosa escultura de Rodin

Hermann Hesse dizia que “Ler um livro é para o bom leitor conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. É procurar compreendê-lo e sempre que possível, fazer dele um amigo.

Não concordo com essa afirmativa, pois jamais poderia, por exemplo, fazer de Humbert Humbert, de Lolita, um amigo. Ah sim, sempre que possível... muitas vezes não se pode nem pensar nisso, mas ler um livro tem muito de conhecer as pessoas e seus modos de pensar.

Arrasto-me, desde agosto de 2012, na leitura de “O caminho de Swan”, primeiro volume de sete da obra prima de Proust, Em busca do tempo perdido. Não gosto do livro? Gosto sim, mas algo me trava a leitura e ele fica ali, na bolsa lateral do meu carro, opção para engarrafamentos e curtos tempos de espera.
 
Nunca me aconteceu isso antes com um livro. Em geral leio rápido ou então desisto, como fiz com Ulisses, depois de 60 áridas páginas. Mas Proust é outra coisa. O homem conhece a alma humana e me ensina sobre relacionamentos, ou pelo menos eu penso aprender. Por que então essa lentidão? Será que caminho na velocidade que me permito conhecer os outros, ou complementando a frase de Hesse, a mim mesma?

domingo, 13 de janeiro de 2013

Jonas, e a baleia?


A música fala do mestre Jonas e da baleia,  mas eu pergunto: 
Jonas, e a baleia?


Das magias de um livro está o poder de fazer-nos pensar o impensado, até então. Eis que me deparo com Melville descrevendo a cabeça de uma baleia. Que coisa mais sem importância para mim, que não nutro sentimento qualquer especial pelos cetáceos. Mas não, a alma é maior do que isto e sim, se interessa.

Descreve-me ele a curiosa visão do cachalote, que tem os diminutos olhos onde temos os ouvidos. Uma visão lateral. Na grande cabeça, composta de muita pele e gordura, o vazio imenso entre os dois olhos abrigado por um único osso, perto da boca, que ficaria, em nós, abaixo do queixo. Que coisa tão diferente!


A baleia enxerga duas imagens distintas simultaneamente, não sei se consegue processar ao mesmo tempo ou como é que é seu funcionamento cerebral, mas isso não me importa, pois o que abstraio dessa leitura é um encantamento muito maior: comparo a limitação de nossa visão de mundo ao conhecido, às imagens que temos, formadas e deformadas a partir do ponto de vista que alcançamos, como no poema de Gibran (veja abaixo), que conheci através da amiga e psicanalista Ceci - a mão vendo o que está ao seu alcance, os ouvidos idem, o nariz também e, o olho, ainda que consiga ver além dos outros sentidos, e portanto para estes esteja a delirar, também é limitado.

Aí penso com seus ouvidos, troco minhas mãos pelas suas, meu nariz por cheiros e odores dessabidos, e meus olhos se fecham para enxergar muito mais: as diferenças, a amplitude das possibilidades. Penso se eu fosse uma baleia (sem trocadilhos, por favor, rsrsrs), se a minha visão de mundo seria limitada ou ampliada pela nova capacidade física, objetiva, como isso afetaria a minha subjetividade.


Acho essa extrapolação tão excitante, discuto com meu filho e ele me diz que o cérebro se adapta e que se passarmos uma semana andando de ponta cabeça - segundo ele essa experiência já foi feita por cientistas - então nosso cérebro inverte as imagens e vemos como se estivéssemos apoiados nos próprios pés. E mais, me conta que se fosse uma baleia andaria meneando a cabeça para os lados, como um neurótico, e teria assim a visão de 360º. Se cansasse, simplesmente andaria de frente, com o pescoço para o lado. Eu digo que poderia andar de lado, que talvez eu andasse de lado, olhando para a frente, e ele diz que eu poderia, mas que seria idiota porque de frente se andaria muito mais rápido. E tece ainda considerações sobre colocar um espelho preso ao rosto e assim ter a visão completa e outras coisas pragmáticas.

Mas, mesmo concordando com essas ponderações, por certo lógicas e inteligentes, meu pensamento vagueia e paro no final da página 375 de Moby Dick:

"Sir William Jones, que lia em trinta idiomas, não era capaz de ler a mais simples face de um camponês em seus mais profundos e sutis sentidos, como pode o inculto Ismael (narrador do livro) pretender ler o que se esconde na fronte de um cachalote? Não faço mais do que simplesmente apresentar essa fronte diante de vós. Lede-a se sois capazes disso."



Poema de Gibran mencionado no texto:

O  OLHO

 
Um dia disse o olho: "Vejo, além destes vales, uma montanha velada pela cerração azul.Não é bela?"
 
O Ouvido pôs-se à escuta e, depois de ter escutado atentamente algum tempo, disse: "Mas onde há qualquer montanha? Não a ouço"
 
Então, a Mão falou: "Estou tentando em vão senti-la ou tocá-la e não encontro montanha alguma".
 
E o Nariz disse:"Não há nenhuma montanha. Não sinto o cheiro"
 
Então o olho voltou-se para outra parte, e todos começaram a conversar sobre a estranha alucinação do Olho.

E diziam: "Há qualquer coisa errada com o olho"
 
                                                 


 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Há que cuidar



Hoje faço 20 anos de casada. Procurei na internet e vi que são bodas de porcelana. Achei lindo. Toda boda devia ser essa porque é algo muito delicado, sofisticado, belo e quebra muito fácil. Que analogia tão própria para o amor, não?

A melhor coisa de estar completando essas duas décadas de vida em comum é que absolutamente não sinto esse tempo. Sei lá, cinco anos, talvez? Rio com meu amado, rio do meu amado, rio de mim, sempre alvo de troça dele e dos filhos. O amor sem o riso não tem graça, literalmente.

Não sei dizer se o amor é eterno, não tenho receitas de uma convivência harmoniosa, nem acredito nisso. O conto de fadas existe lá, na vida real erramos, acertamos, fazemos a conta de chegada e se tiramos daí um denominador comum, o que não tem nada de trivial, isso é o que importa.

Espero poder comemorar muitas outras bodas com meu gato, que sempre faz a minha vida mais bela e gostosa.

P.S: E falando em porcelana, deixo com vocês a última estrofe de um poema meu (A descobrir) e um dos poemas do meu amor, novaes/ (Quebra), também sobre porcelana.


 A DESCOBRIR

Valham-me olhos de ver além
para dobrar-me e aprender,
sem quebrar,
porcelana de plástico moldável
em terreno movediço e de arar.



QUEBRA

Folhagem extrema
na louça do seu dizer. Me diz
uma xícara de porcelana.
Não, me quebra. Me pinga café.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O ar da graça



Estou me deliciando com a leitura de Moby Dick. Em várias passagens Melville dá literalmente o ar da graça. E o que melhor para começar o ano do que um texto inteligente que vai num crescente suspense conduzindo o leitor a momentos hilariantes? Precisamos nos lembrar de rir com mais frequência, bom para o coração e para a juventude.

Espero que você possa se divertir com a passagem que selecionei, um pouco longa, mas vale a pena. O protagonista, Ismael, não encontrava vaga em nenhuma estalagem até que recebe e aceita a oferta de dividir uma cama de casal com um arpoador de pele morena que ainda não tinha chegado, apesar do adiantado da hora.

(págs 60 a 66, com cortes)
“Que espécie de sujeito é esse; chega sempre tão tarde?
- Não, ... mas esta noite saiu para comerciar suas mercadorias e não sei o que no mundo o está atrasando tanto. Só se ele não conseguiu vender a cabeça.
- Vender a cabeça? O que significa isso? – comecei a ficar colérico...
- Precisamente isso – respondeu o estalajadeiro – e eu lhe disse que não conseguiria vendê-la aqui; pois a praça está abarrotada.
- De quê – berrei
- De cabeças, naturalmente. Você não acha que há cabeças demais no mundo?
- Fique sabendo de uma coisa, estalajadeiro – observei muito calmo - , melhor parar de brincadeiras;não sou mais criança.
- Talvez não, mas lhe garanto que o senhor pode se dar mal se o arpoador souber que anda difamando a abeça dele.
- Quebrá-la-ei para ele.
- Já está quebrada – tornou ele.
- Quebrada?
- Exatamente. É por isso que não consegue vendê-la.


- Devemos esclarecer isso tudo o mais rapidamente possível. Vim a este estabelecimento porque preciso de uma cama, ao que o senhor respondeu poder ofertar-me apenas metade de uma, visto que a outra metade pertence a um arpoador. E sobre esse arpoador, que ainda não vi, o senhor insiste em contar-me as histórias mais disparatadas e exasperantes, cuja tendência é provocar em mim uma sensação desagradável com relação a esse homem. Agora lhe peço de uma vez por todas que me diga quem é esse arpoador e se estarei seguro sob todos os aspectos ao passar a noite com ele...
- Acalme-se, acalme-se, o arpoador de que lhe venho falando acabou de chegar dos mares do Sul, onde comprou um lote de cabeças embalsamadas da Nova Zelândia e vendeu-as todas, menos uma; e é essa que ele está tentando vender esta noite...
... o que pensar de um arpoador que passava fora toda a noite de sábado, e entrava no santificado domingo entregue a um negócio tão canibal como esse de vender cabeças de idólatra mortos? – Diante de tudo que me disse, fique certo disso, estalajadeiro,o arpoador é um homem perigoso.
- Paga em dia. Mas venha, é melhor que se deite, é uma bela cama.
... por fim deslizei ao largo, rumo à terra do sono, quando escutei o som de passos pesados no corredor e vislumbrei uma débil luz a penetrar no quarto por baixo da porta.
“Deus me proteja”, pensei, “esse deve ser o arpoador, o infernal vendedor de cabeças. Mas permaneci imóvel e decidido a não falar enquanto ele não me dirigisse a palavra. Carregando uma vela em uma das mãos e a tal cabeça na outra, o arpoador entrou no quarto e, sem olhar para a cama, colocou a vela longe de mim...Eu estava ansioso por ver-lhe o rosto, mas ele se manteve virado por algum tempo, enquanto se ocupava em desamarrar a boca da bolsa. Feito isso, virou-se – e valha-me Deus! Que visão! Que rosto! Era de uma cor sombria, púrpura, amarela, aqui e lá marcada por grandes quadrados de aparência escura. “Sim, era justamente como eu imaginara. Aí está um terrível companheiro de cama. Andou brigando, ficou muito ferido e aqui está ele, chegando diretamente da casa do cirurgião.” Mas naquele momento ele virou o rosto para a luz, de maneira que pude ver claramente: aqueles quadrados negros não eram esparadrapos, eram manchas, de uma espécie ou de outra. Inicialmente fiquei sem saber o que pensar, mas logo me ocorreu uma ideia. Lembrei-me da história de um homem branco – também baleeiro que, tenha caído entre os canibais, foi tatuado por eles. Concluí então que esse arpoador, no curso de suas muitas e distantes viagens, devia ter tido aventura semelhante. E, afinal de contas, o que importa isso, pensei eu. Trata-se apenas da aparência externa de uma pessoa que pode ser honesta dentro de qualquer tipo de pele. Mas então como explicar sua estranha tez, ou seja, aquela parte da tez que rodeava os quadrados de tatuagem e que nada tinha a ver com eles? Talvez fosse apenas uma boa casca de tostado tropical; mas nunca ouvi dizer que um sol quente tostasse de amarelo púrpura um homem branco...o arpoador tirou de sua bolsa uma espécie de machadinha indígena e uma sacola de pela de foca, ainda com os pelos. Colocou essas coisas sobre a velha arca no meio do quarto, pegou então a cabeça neozelandesa e enfiou-a no saco. Depois tirou o chapéu de castor e quando se aproximou, quase gritei diante de uma nova surpresa. Não tinha um fio de cabelo na cabeça; nenhum, a não ser um pequeno chumaço retorcido para cima. Sua cabeça lisa e púrpura parecia um crânio defumado. Se o estranho não estivesse entre mim e a porta, eu teria saído por ela o mais depressa possível.


Naquele momento cheguei a pensar em saltar pela janela, mas eu estava nos fundos de um segundo andar. Não sou covarde, mas o efeito que produziu em mim aquele vendedor de cabeças, tratante e purpúreo, ia além de toda a compreensão...

Sem se dar conta do tormento pelo qual eu passava, ele continuou a despir-se e afinal mostrou o peito e os braços. Juro que essas partes antes recobertas axadrezavam-se com os mesmos quadrados que ele possuía no rosto; suas costas estavam igualmente repletas dos mesmos quadrados escuros. Parecia que ele havia estado em uma guerra dos 30 anos, da qual escapara com uma camisa de esparadrapos. Tinha também as pernas marcadas, como se um bando de rãs verde-escuras estivessem subido pelo caule de palmeiras novas. Era evidente agora que se tratava de algum abominável selvagem acolhido por uma baleeiro nos mares do Sul, e que depois havia desembarcado nesse país cristão. Estremeci só ao pensar nisso. Um vendedor de cabeças – talvez das cabeças de seus próprios irmãos. Ele poderia cobiçar a minha – céus! E aquela machadinha indígena.

Não tive muito tempo para estremecer, pois o selvagem logo começou a fazer algo que prendeu completamente minha atenção e que acabou por me convencer de que se tratava de fato de um pagão. Dirigindo-se ao seu pesado capote, remexeu os bolsos e por fim tirou uma curiosa pequena imagem deformada com uma corcunda, da cor exata de um bebê de três dias nascido no velho Congo. Lembrando-me da cabeça embalsamada, cheguei a pensar que esse bonequinho negro fosse de fato uma criancinha conservada de maneira semelhante. Mas, ao perceber que não se mexia, e brilhava quase tanto como ébano polido, concluí que se tratava apenas de um ídolo de madeira. Naquele momento o selvagem dirigiu-se para a lareira vazia e, retirando-lhe o anteparo, colocou a pequena imagem corcovada de pé, como um boliche, entre os cães da mesma lareira...

Todo esse estranho modo de proceder só contribuiu para aumentar meu mal-estar, e, vendo que ele estava terminando aquele ritual e pronto para deitar-se na cama, julguei chegado o momento, antes que a luz se apagasse, de quebrar o encanto ao qual por tanto tempo eu ficaria preso.

Mas o tempo que perdi imaginando o que iria dizer foi fatal. Pegando na mesa a machadinha, ele examinou-lhe a cabeça por um instante então, aproximando-a à vela, com a boca no cabo tirou grandes baforadas de fumaça do tabaco. Em seguida apagou a vela com a machadinha entre os dentes aquele bravo canibal pulou para a cama, junto de mim. Gritei, pois não podia mais evitá-lo; e espantado, ele começou a apalpar-me...