quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Conto classificado na Antologia UFF 2013: Meu encontro

Amigos, compartilho com vocês a alegria que tive ontem, 17/12/2013, durante a cerimônia de premiação e lançamento da Antologia do Prêmio UFF de Literatura 2013, cujo tema, em homenagem a Vinicius de Moraes, foi "A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida".


 O evento aconteceu no auditório da Academia Fluminense de Letras, na Biblioteca Nacional de Niterói. Abaixo vocês podem ver a foto do grupão que integra a Antologia e a foto dos seis membros do Clube de Leitura Icaraí, do qual participo com muito orgulho, todos classificados.


A partir da esquerda: Luiz, Newton, Winter, Rita, Benites e Benito


E agora, deixo com vocês o meu conto. Quem desejar ler os demais textos premiados pode acessar o blog do Clube de Leitura.

http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/

Abraços,

Rita

MEU ENCONTRO




Éramos dez. Achei que seríamos um grupo ainda menor. Confesso que, antes de entrar, pensei várias e várias vezes, perdi o sono, tive muita vergonha, mas enfim, resolvi tirar minhas lentes de contato - não tanto porque não posso enxergar bem os demais, mas porque não posso ter certeza da fisionomia deles quando me vêem. E assim consegui a coragem para comparecer, um pouco menos desconfortável, só um pouco.
Na recepção nos indicaram o local do vestuário. Cada um que entrava se dirigia para lá, onde, no nosso armário, um roupão atoalhado cor bege esperava, dobradinho. Sentamos em círculo com uma cadeira no meio, a do mediador. Quando a moça da recepção avisou que todos os participantes estavam presentes, o mediador levantou-se, trancou a porta, dirigiu-se para a lateral da sua cadeira, tirou o roupão e ficou em pé no meio de nós, inteiramente como veio ao mundo, para explicar o método, melhor dizendo, a experiência.


  Não sei se alguém prestou atenção, eu não consegui. Mesmo sem a minha lente eu ia vendo uma coisa balançando à medida que ele falava e me desconcentrei. Comecei a suar, senti o rosto quente, acho que viajei.
D. Lorena, d. Lorena, a senhora entendeu? Agora todos precisam tirar o roupão. Podem ficar com ele sobre a cadeira mesmo e sentar em cima. É até bom que protege.
Siim, eu disse meio gaguejando e com a voz rouca – sempre que fico nervosa minha voz começa a sumir. Esse homem é um louco, pensei. Protege? Protege? Que é isso? Nunca me senti tão desprotegida. Olhei ao redor e todos já tinham se livrado de suas vestimentas. Quatro homens e seis mulheres. Meu Deus, como é que eu vim parar aqui? Desembaracei-me daquele cordão na altura da cintura desfazendo o meio nó, movi os braços para tirar as mangas sem me levantar, o roupão ficou preso, tive que levantar um pouquinho, que constrangimento! Olhei para baixo, ai que vergonha! Ainda por cima fiquei toda arrepiada - era de frio, mas vai que alguém pensasse diferente... minha nossa senhora, valei-me.
***
O mediador - eu não gravei o nome dele ainda -, sentou-se e pediu que nos apresentássemos e contássemos nossa experiência prévia em tratamentos anteriores. Pediu que o senhor careca começasse.
Essa deve ser minha décima tentativa. Já tentei nutricionista, endocrinologista, ortomolecular, mas o problema sempre volta. Emagrecer eu emagreço, mas não consigo manter. Depois de dois meses começo a engordar tudo de novo e mais ainda.
A seguir veio a moça que estava ao meu lado – eu seria a próxima e já comecei a gelar -, ela disse que tinha ido a médicos, usado produtos naturais, tomado vários tipos de chás e também engordava tudo de novo pouco tempo depois.
        Eu? Bem, como os colegas, fiz inúmeras tentativas. Além de médicos, tentei a dieta Dukan, a mediterrrânea, a de 600 calorias, fiz caminhadas e ginástica. Tive bom resultado em algumas vezes, mas com o tempo...
A dança das cadeiras continuou. Havia entre nós até um senhor que já tinha feito cirurgia bariátrica, aquela que reduz estômago, sabe? e mesmo assim engordou de novo, porque tinha compulsão por leite condensado e bebia direto da latinha toda vez que sentia fome.
Na segunda rodada de perguntas tipo ‘integração’, como chamou Danilo - acho que esse é o nome dele, me recordo agora -, a questão foi porque resolvemos aderir à experiência. 
Na vez da minha resposta, o grupo riu pela primeira vez - precisávamos mesmo de um pouco de descontração, ufa! -, e eu só respondi a verdade: desespero.      
Após a saraivada de comentários que no fundo diziam mais ou menos isso, Danilo começou a falar. Levantou-se de novo, foi até o ‘flip chart’ e desenhou um rosto desconjuntado de um corpo. O rosto era redondo e o corpo, obeso, disforme e assexuado.
Esse, senhores, fui eu, ele disse. Esse, senhores, são vocês hoje. Alguém discorda?
Ninguém falou coisa alguma. Danilo então nos contou de sua formação em psiquiatria e psicologia e que é sabido em todo o meio médico que em um grande número das pessoas que engorda e tem dificuldades para controlar o peso, a causa é emocional, excetuando os problemas na tireoide e outras raras enfermidades. Mas que não convém a tantas especialidades médicas e nichos de mercado abertos com o filão da obesidade divulgar isso. Trata-se o efeito e não a causa, daí o método atual ser inovador, ele disse.
Continuou explicando que optaram por uma abordagem não ortodoxa, “não vamos indicar sessões de psicologia para ninguém” por acreditarem que o resultado seria muito mais rápido. Eu deixei a reunião com dor de cabeça, nunca pensei que vergonha desse enxaqueca, mas enfim, ao menos permanecia viva.
***
  Em casa me esmerei ao máximo na ingestão de poucas calorias, comprei peixes, fiz legumes ao vapor, caminhei a semana quase toda, fugi dos doces como o diabo da cruz. No encontro nudista da semana seguinte, digo, no encontro para emagrecer, eu tinha perdido dois quilos. Quase todos os companheiros de opróbrio também foram vitoriosos e aos poucos íamos deixando, junto com os quilos a mais, a timidez.
Falávamos de nossos sentimentos durante a semana, do que nos motivava a continuar prestando atenção à alimentação, aos exercícios. Vomitávamos sapos, derramávamos hipócritos conceitos, chutávamos o balde mesmo, como se diz. O olhar do outro ali sempre tinha um grande peso, mas esse era incrivelmente leve e só nos ajudava nas balanças, tanto na física quanto na emocional.
De minha parte, o que eu queria era parecer melhor e mais agradável aos colegas e a mim mesma. Mudava por dentro para transparecer por fora. Em casa sentiam a diferença. Minha forma de tratar a família era outra, o tom crítico dava lugar a uma abordagem mais compreensiva. A assertividade das colocações aumentava no trabalho também e a descontração com os amigos era evidente. Mudei as cores das minhas roupas, meu estilo, cortei o cabelo, caprichei nas unhas. Queria refletir o novo eu que estava reconstruindo.
Ao cabo de três meses de programa nosso incentivador mor, no início do encontro, fez outro desenho no quadro. Era um rosto com um corpo; não tinha nada de atlético, mas era uno. Muitos sorrisos iluminaram aquela reunião. Sabíamos que, na realidade, o tratamento ia muito além do corpo, o foco era a auto-estima, mas, que importa? Ela estava lá no alto mesmo.
***
Fiquei no programa durante uns sete ou oito meses. Saí de lá com o que a ciência diz ser a faixa recomendável para minha idade, altura e sexo, mas isso nem de longe foi o principal. Eu agora me gostava, estava feliz e confiante. Não que eu ache que os obesos tenham problemas com a felicidade, cada um com seu cada um, com seus parâmetros e seus conceitos, mas, admito, eu tinha. Aliás, eu e todos os que estavam naquele grupo. Isso descobrimos depois, quer dizer, nosso mediador nos contou que o critério usado para selecionar o grupo-teste incluía os que já tinham feito várias tentativas de emagrecer sem sucesso e se sentiam mal com isso. Eu superei o medo de me encarar desnuda e sei onde estão cada uma das minhas muitas máscaras. Só que eu, eu não preciso mais delas.
Três anos já se passaram. Sim, se você quer saber, continuo magra. Fome? Normal, quer dizer, até hoje de manhã, quando li no jornal a seguinte manchete, título e subtítulo: Charlatão vende filmes com obesos nus. Falso psicólogo prometia método inovador de emagrecimento. E na matéria, minha foto, eu ali, nuzinha em pelo, só com um quadradinho disfarçando meu rosto.  Alguém me compre um chocolate, URGENTE!




segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Sexualidade teen: como encarar?

Este texto é um perigo, um perigo para mim mesma que tenho que me defrontar com os novos conceitos sobre sexualidade a esta altura da vida. Ah, ser mãe, às vezes, é mesmo padecer, só que sem paraíso.

Comecemos pelo mais ameno. Vejo, com certo estarrecimento, que a França se divide sobre um projeto de lei que quer multar clientes de prostitutas e com isso volta toda uma discussão sobre prostituição e promiscuidade. O que me chocou na notícia foi, primeiramente, o sutiã (termo jornalístico que se refere a um sobretítulo, em oposição a subtítulo e, aliás, muito próprio à natureza da matéria, rsrsrs): moralismo ou drama sanitário?

Nossa, acho incrível que no século XXI, no ocidente, especificamente no país de De Gaulle e no Brasil, ainda se usem um termo tão preconceituoso como ‘drama sanitário’ ligado ao mercado sexual. Isso continua amedrontando? Como a elites reproduzem arcaicos conceitos e lançam mão de qualquer coisa para fazer valer seus valores parentes da eugenia. Eca!

Dito isto, entremos no meandro da questão. Falar é uma coisa, fazer ...

Em conversa com meu companheiro de trocas de ideias a respeito, e pai, ele me disse que chega à nossa era o que pregavam os hippies, sexo livre, geração paz e amor (mais amor do que paz, cá pra nós) - isso por conta de um programa que eu, por acaso zapeando, vi no Discovery Home and Health. Isso é healthy? foi logo o que pensei ao ver do que se tratava.




Bem, continuemos. Na Grã-Bretanha, os adolescentes contam com um serviço gratuito para tirar dúvidas de cunho sexual ou erótico. Em resumo é isso. E acompanhei algumas dessas dúvidas. Coisas do tipo ‘como posso fazer sexo oral melhor no meu namorado’ ou ‘acho que meu pênis é pequeno e isso me inibe de procurar os rapazes’ ou ‘minha vagina é feia demais e tenho medo de transar por conta dela’, ou ainda ‘meu namorado não me procura como antes. O que posso fazer para excitá-lo’. Na equipe do programa, uma psicóloga, uma ginecologista e ‘técnicas em prazer’, na ausência de nome mais propício. Tudo falado abertamente, sem o menor constrangimento ou moralismo. Apenas, quando uma teen destas disse que fazia sexo em locais públicos, o psicólogo com o qual ela falou retrucou que é preciso se ater às leis. Porém, não sendo ilegal...

Fiquei ali, pasmada, me sentindo completamente ultrapassada e questionando meu papel de mãe de duas adolescentes nesta realidade quase mundial.

Sim, porque o exemplo que vem dos britânicos apenas comprova o que tenho observado em conversas diversas com outras mães tupis-guaranis como eu, em notícias na imprensa e na internet em geral. Muitos adolescentes, especialmente as meninas, estão com uma postura radicalmente diferente sobre o sexo. Enviam fotos suas nuas ou transando, experimentam sexo com o masculino, o feminino, o ambíguo, de tudo um pouco. Há quem chame de sexo flex. Para conhecer, para decidir, para liberar-se?

Não sei bem até onde vale a experiência e quais podem ser as consequências, mas casos de suicídio foram relatados, meninas que tiraram a vida após terem fotos íntimas reveladas no face com comentários pra lá de picantes por ex-namorados e curtidores de ocasião.

Não quero ser retrógrada, machista, preconceituosa, mas tampouco sigo como vaca de presépio modas impulsionadas pelos modernos recursos tecnológicos. Preocupa-me, sobretudo, a sanidade mental de minhas meninas, mas não sei se é isso mesmo ou se, hipocritamente, estou é usando de desculpas para manter a máxima de que a mulher deve se dar ao respeito quando o próprio conceito de respeito é tão fluido e manipulado. Não à promiscuidade, sim ao recato, isso aí me cheira à bandeira da Marcha da família em março de 64.

Quando mocinha, eu desafiava meu pai questionando conceitos sobre virgindade, liberdade. Não queria nesta fase da vida cantar como Cazuza que

“ aquele garoto que ia mudar o mundo frequenta agora as festas do "Grand Monde",

mas ideologia, eu quero uma pra viver, e alguma ajuda também.