Saber matar é saber viver, mais ou menos assim entendi a
frase do meu marido, ao final de uma sessão do novo filme do Woody Allen, “O homem
irracional”. Foi o que me bastou para gostar mais do filme, aquém das minhas
expectativas. A conversa que se seguiu no carro, no longo caminho de volta para
casa, porém, foi tudo de bom.
A vida é nascimento, crescimento e morte, quer seja de uma
planta ou de um animal como nós. E quem não sabe matar o que já teve seu tempo,
o que não dá mais conta do presente, o que não responde aos anseios, vai precisar de uma outra adrenalina na veia
para cumprir o que a metáfora não fez, partindo para as vias de fato.
Ainda há pouco terminei minha leitura do jornal de domingo
e, como sempre, gosto do que escreve o psicanalista Alberto Goldin. Sob o título
de “Caverna imaginária” ele comenta sobre o que comentou com amigos a respeito de
uma relação dupla de um homem que diz amar duas mulheres. Tal qual meu bom bate-papo
pós-cine, uma de suas interlocutoras diz que ‘quem não consegue matar não
consegue viver’, e outro arremata: ‘cirurgias
e separações, quando inevitáveis, não adianta remarcar para o mês seguinte, são
circunstâncias que só o centro cirúrgico, com um pouco de dor e sangue, resolve’.
Fez-me lembrar imediatamente de quando pedi para sair de um emprego onde estava
há quase 18 anos. Eu via o representante maior da administração e tinha vontade
de chorar, foi dolorido o processo, foi dolorida a decisão, até porque nunca há
uma certeza absoluta, então, é passar pela dor. É preciso matar algo para que
algo novo possa nascer e se esse novo também não for o que você espera, mate de
novo. Acho que é por aí o caminho da juventude cerebral.
Fico pensando que antigamente as pessoas pareciam estar mais
acostumadas à dor e que hoje fazem tudo para escapar dela. Acho a dor
inescapável, é condição de ser humano e, de certa forma, em certa dose (que bom
que fosse sempre na dose certa), produtiva, útil, boa e transformadora. Mas
isso já é tema para outra conversa. Bom domingo procês.