O atentado terrorista de ontem, 7 de janeiro de 2015, à redação do jornal satírico francês foi lamentável, uma carnificina que não se explica a não ser pela via do fanatismo. Praticamente a unanimidade dos jornalistas e entrevistados definiu o bárbaro crime com adjetivos semelhantes, e concordo. Quero, entretanto, fazer um porém.
Há alguns anos evoluímos, às vezes acho que até demais, em
relação aos termos considerados politicamente corretos, mas o fato é que não se
permite hoje que um coleguinha chame o outro de girafa, varapau, branco azedo,
gordão, macaco, inválido e por aí segue a lista. Isso é positivo, evita
animosidades e traumas desnecessários. Mas, e a liberdade de expressão? Não
posso então, como brincadeira, falar assim? Nossa sociedade ocidental
convencionou que não.
Agora, esse critério não vale para tudo. Se for a imprensa ‘atacando’
uma religião, em nome da liberdade e da democracia, tudo bem. Por quê? Apenas o
que é sagrado é a liberdade? Aí eu discordo. Não que ache a religião sagrada,
me desculpem, não acho, mas creio sim que devemos respeitar a crença dos outros,
as opiniões alheias. Isso faz parte de uma sociedade tolerante e inclusiva, que
afinal é como os ocidentais tendemos a nos julgar.
Lembro que, na faculdade, a primeira matéria que me encantou
foi antropologia. Ver e aprender a respeitar como diferentes culturas vivem e
lidam com suas questões, de toda ordem. Precisamos ao menos vislumbrar como
pensam e agem os fanáticos religiosos. E já sabemos que, embora minoria
absoluta, eles estão presentes também no islamismo. Michel Maffsoli, pensador
francês e sociólogo da Sorbonne declarou: “Não sabemos lidar com os religiosos
porque os negamos”. Então devemos aprender, e rápido. E não acho que seja tão
difícil. Respeito é um bom começo, colocar-se no lugar do outro e ver como você
pode atingir os mesmos objetivos que deseja sem ofender. Isso é saber viver.
Estive recentemente visitando uma mesquita e lá ganhei um
livro sobre o Islam, que li, para conhecer melhor. É claro que, apesar de
discordar veementemente de vários de seus princípios, outros são excelentes.
Tudo tem um lado bom e um ruim, ou não?
Como disse o cartunista Carlos Latuff, também me parece
muito mais provocação e agressão do que liberdade uma charge de Maomé sem
roupa, com o traseiro para cima. Isso sem falar no preconceito. Maomé é o Jesus
deles. Quantas charges sacaneando a figura de Jesus desse jeito você vê por aí?
Então pimenta nos olhos dos outros é refresco?
Digo tudo isto porque acho que pena maior ainda do que este
terrível atentado é não conseguirmos evitar novas chacinas do tipo. Não adianta
reforçar policiamento, colocar nível de alerta máximo no país. Lugares e
pessoas suscetíveis de ataque sempre existirão. Uma mudança de mentalidade e
comportamento seria muito mais efetivo.
Concluí, há pouco, a leitura de “Judas”, de Amós Oz, mais um
excelente livro dele, por sinal, e na página 213, sobre o eterno conflito entre
judeus e palestinos, o autor diz:
“ Os judeus são aqui um grande acampamento de refugiados e
os árabes também são um grande acampamento de refugiados. E a partir de agora
os árabes vivem todo dia a tragédia de sua derrota, e os judeus vivem todo dia
o pavor da vingança deles. Assim, pelo visto, é muito melhor para todos. Dois
povos consumidos por ódio e veneno e ambos saíram da guerra embebidos de vingança
e justiça. Rios inteiros de vingança e justiça. E de tanta justiça o país
inteiro está coberto de cemitérios e está semeado dos destroços de centenas de
aldeias pobres que existiam,
foram apagadas e não existem mais”.
foram apagadas e não existem mais”.
É para parar e pensar.