quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Bullying, liberdade e respeito



O atentado terrorista de ontem, 7 de janeiro de 2015, à redação do jornal satírico francês foi lamentável, uma carnificina que não se explica a não ser pela via do fanatismo. Praticamente a unanimidade dos jornalistas e entrevistados definiu o bárbaro crime com adjetivos semelhantes, e concordo. Quero, entretanto, fazer um porém.

Há alguns anos evoluímos, às vezes acho que até demais, em relação aos termos considerados politicamente corretos, mas o fato é que não se permite hoje que um coleguinha chame o outro de girafa, varapau, branco azedo, gordão, macaco, inválido e por aí segue a lista. Isso é positivo, evita animosidades e traumas desnecessários. Mas, e a liberdade de expressão? Não posso então, como brincadeira, falar assim? Nossa sociedade ocidental convencionou que não.

Agora, esse critério não vale para tudo. Se for a imprensa ‘atacando’ uma religião, em nome da liberdade e da democracia, tudo bem. Por quê? Apenas o que é sagrado é a liberdade? Aí eu discordo. Não que ache a religião sagrada, me desculpem, não acho, mas creio sim que devemos respeitar a crença dos outros, as opiniões alheias. Isso faz parte de uma sociedade tolerante e inclusiva, que afinal é como os ocidentais tendemos a nos julgar.  

Lembro que, na faculdade, a primeira matéria que me encantou foi antropologia. Ver e aprender a respeitar como diferentes culturas vivem e lidam com suas questões, de toda ordem. Precisamos ao menos vislumbrar como pensam e agem os fanáticos religiosos. E já sabemos que, embora minoria absoluta, eles estão presentes também no islamismo. Michel Maffsoli, pensador francês e sociólogo da Sorbonne declarou: “Não sabemos lidar com os religiosos porque os negamos”. Então devemos aprender, e rápido. E não acho que seja tão difícil. Respeito é um bom começo, colocar-se no lugar do outro e ver como você pode atingir os mesmos objetivos que deseja sem ofender. Isso é saber viver.


Estive recentemente visitando uma mesquita e lá ganhei um livro sobre o Islam, que li, para conhecer melhor. É claro que, apesar de discordar veementemente de vários de seus princípios, outros são excelentes. Tudo tem um lado bom e um ruim, ou não?

Como disse o cartunista Carlos Latuff, também me parece muito mais provocação e agressão do que liberdade uma charge de Maomé sem roupa, com o traseiro para cima. Isso sem falar no preconceito. Maomé é o Jesus deles. Quantas charges sacaneando a figura de Jesus desse jeito você vê por aí? Então pimenta nos olhos dos outros é refresco?

Digo tudo isto porque acho que pena maior ainda do que este terrível atentado é não conseguirmos evitar novas chacinas do tipo. Não adianta reforçar policiamento, colocar nível de alerta máximo no país. Lugares e pessoas suscetíveis de ataque sempre existirão. Uma mudança de mentalidade e comportamento seria muito mais efetivo. 

Concluí, há pouco, a leitura de “Judas”, de Amós Oz, mais um excelente livro dele, por sinal, e na página 213, sobre o eterno conflito entre judeus e palestinos, o autor diz:

“ Os judeus são aqui um grande acampamento de refugiados e os árabes também são um grande acampamento de refugiados. E a partir de agora os árabes vivem todo dia a tragédia de sua derrota, e os judeus vivem todo dia o pavor da vingança deles. Assim, pelo visto, é muito melhor para todos. Dois povos consumidos por ódio e veneno e ambos saíram da guerra embebidos de vingança e justiça. Rios inteiros de vingança e justiça. E de tanta justiça o país inteiro está coberto de cemitérios e está semeado dos destroços de centenas de aldeias pobres que existiam,
foram apagadas e não existem mais”.


É para parar e pensar. 

9 comentários:

  1. Um dos seus melhores "textos de opinião" que já li, senão o melhor. Não tenho nada a acrescentar. Sua capacidade de síntese aqui foi impressionante e preciso. Seu texto merecia circular por aí nos grandes jornais. Digo isso de coração. Parabéns, Rita.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Antonio, muitíssimo grata por seu comentário pra lá de incentivador. Acho que falta ao mundo esse diálogo de ideias, procuramos entender o ponto de vista do outro e quem sabe até refazermos o nosso, se for o caso. Há uma mesmice de pontos de vista na mídia e isso muitas vezes não é saudável. Abraços.

      Excluir
  2. Parabéns, excelente reflexão. A " tolerância ", tão exaltada, precisa ser praticada dos dois lados.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Exato, Newton. É tão fácil pregar tolerância, paz, mas as atitudes ... aí está o grande problema.

      Excluir
  3. Liame tênue a fronteira entre o repeito a minha liberdade e a do outro. O caso expõe feridas abertas de limites extrapolados.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Isso mesmo, Cris. São muitas feridas abertos e muitos limites extrapolados.

      Excluir
  4. Rita, é muito bom estar aqui e poder refletir com o seu excelente texto! Num momento eu pensei que em todas as religiões há pessoas intolerantes, cegas e dispostas a matar até mesmo com palavras. Isso mesmo, a palavra é uma arma! Quantas pessoas "mortas" eu vejo por aí andando porque perderam os seus vínculos tanto com o sagrado quanto com a vida. É o que eu chamo da morte em vida. Há palavras matando todos os dias. E os "mortos vivos" vagam.

    Lastimável esse episódio de horror! Perdeu-se todo o senso de humor, ou ele nunca existiu? Por que as religiões são intocáveis?

    Abraços, querida! Sonia Salim

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sonia, que alegria receber seu comentário! Adorei sua reflexão sobre o poder mortal das palavras. Acho que muitas pessoas deram um novo significado ao humor, para mim de extremo mau gosto, e esqueceram de avisar aos dicionários. As religiões não deveriam ser intocáveis, ao contrário, deveriam permitir que as tocássemos até o coração da fé verdadeira, mas isso, no momento, é apenas uma utopia. Fico feliz da internet ter me propiciado conhecer uma amiga tão gente boa como você. Beijo grande.

      Excluir
  5. Concordo integralmente.Angelica

    ResponderExcluir