O evento aconteceu no auditório da Academia Fluminense de Letras, na Biblioteca Nacional de Niterói. Abaixo vocês podem ver a foto do grupão que integra a Antologia e a foto dos seis membros do Clube de Leitura Icaraí, do qual participo com muito orgulho, todos classificados.
A partir da esquerda: Luiz, Newton, Winter, Rita, Benites e Benito |
E agora, deixo com vocês o meu conto. Quem desejar ler os demais textos premiados pode acessar o blog do Clube de Leitura.
http://clubedeleituraicarai.blogspot.com.br/
Abraços,
Rita
MEU ENCONTRO
Éramos dez. Achei que seríamos um grupo
ainda menor. Confesso que, antes de entrar, pensei várias e várias vezes, perdi
o sono, tive muita vergonha, mas enfim, resolvi tirar minhas lentes de contato
- não tanto porque não posso enxergar bem os demais, mas porque não posso ter
certeza da fisionomia deles quando me vêem. E assim consegui a coragem para
comparecer, um pouco menos desconfortável, só um pouco.
Na recepção nos indicaram o local do
vestuário. Cada um que entrava se dirigia para lá, onde, no nosso armário, um
roupão atoalhado cor bege esperava, dobradinho. Sentamos em círculo com uma
cadeira no meio, a do mediador. Quando a moça da recepção avisou que todos os
participantes estavam presentes, o mediador levantou-se, trancou a porta,
dirigiu-se para a lateral da sua cadeira, tirou o roupão e ficou em pé no meio
de nós, inteiramente como veio ao mundo, para explicar o método, melhor
dizendo, a experiência.
Não sei se alguém prestou atenção, eu
não consegui. Mesmo sem a minha lente eu ia vendo uma coisa balançando à medida
que ele falava e me desconcentrei. Comecei a suar, senti o rosto quente, acho
que viajei.
D. Lorena, d. Lorena, a senhora
entendeu? Agora todos precisam tirar o roupão. Podem ficar com ele sobre a
cadeira mesmo e sentar em cima. É até bom que protege.
Siim, eu disse meio gaguejando e com a
voz rouca – sempre que fico nervosa minha voz começa a sumir. Esse homem é um
louco, pensei. Protege? Protege? Que é isso? Nunca me senti tão desprotegida. Olhei
ao redor e todos já tinham se livrado de suas vestimentas. Quatro homens e seis
mulheres. Meu Deus, como é que eu vim parar aqui? Desembaracei-me daquele
cordão na altura da cintura desfazendo o meio nó, movi os braços para tirar as
mangas sem me levantar, o roupão ficou preso, tive que levantar um pouquinho,
que constrangimento! Olhei para baixo, ai que vergonha! Ainda por cima fiquei
toda arrepiada - era de frio, mas vai que alguém pensasse diferente... minha
nossa senhora, valei-me.
***
O mediador - eu não gravei o nome dele
ainda -, sentou-se e pediu que nos apresentássemos e contássemos nossa
experiência prévia em tratamentos anteriores. Pediu que o senhor careca
começasse.
Essa deve ser minha décima tentativa.
Já tentei nutricionista, endocrinologista, ortomolecular, mas o problema sempre
volta. Emagrecer eu emagreço, mas não consigo manter. Depois de dois meses
começo a engordar tudo de novo e mais ainda.
A seguir veio a moça que estava ao meu
lado – eu seria a próxima e já comecei a gelar -, ela disse que tinha ido a
médicos, usado produtos naturais, tomado vários tipos de chás e também
engordava tudo de novo pouco tempo depois.
Eu? Bem,
como os colegas, fiz inúmeras tentativas. Além de médicos, tentei a dieta
Dukan, a mediterrrânea, a de 600 calorias, fiz caminhadas e ginástica. Tive bom
resultado em algumas vezes, mas com o tempo...
A dança das cadeiras continuou. Havia
entre nós até um senhor que já tinha feito cirurgia bariátrica, aquela que
reduz estômago, sabe? e mesmo assim engordou de novo, porque tinha compulsão
por leite condensado e bebia direto da latinha toda vez que sentia fome.
Na segunda rodada de perguntas tipo
‘integração’, como chamou Danilo - acho que esse é o nome dele, me recordo
agora -, a questão foi porque resolvemos aderir à experiência.
Na vez da minha resposta, o grupo riu
pela primeira vez - precisávamos mesmo de um pouco de descontração, ufa! -, e eu
só respondi a verdade: desespero.
Após a saraivada de comentários que no
fundo diziam mais ou menos isso, Danilo começou a falar. Levantou-se de novo,
foi até o ‘flip chart’ e desenhou um rosto desconjuntado de um corpo. O rosto
era redondo e o corpo, obeso, disforme e assexuado.
Esse, senhores, fui eu, ele disse. Esse,
senhores, são vocês hoje. Alguém discorda?
Ninguém falou coisa alguma. Danilo
então nos contou de sua formação em psiquiatria e psicologia e que é sabido em
todo o meio médico que em um grande número das pessoas que engorda e tem
dificuldades para controlar o peso, a causa é emocional, excetuando os problemas
na tireoide e outras raras enfermidades. Mas que não convém a tantas
especialidades médicas e nichos de mercado abertos com o filão da obesidade
divulgar isso. Trata-se o efeito e não a causa, daí o método atual ser
inovador, ele disse.
Continuou explicando que optaram por
uma abordagem não ortodoxa, “não vamos indicar sessões de psicologia para ninguém”
por acreditarem que o resultado seria muito mais rápido. Eu deixei a reunião
com dor de cabeça, nunca pensei que vergonha desse enxaqueca, mas enfim, ao
menos permanecia viva.
***
Em casa me esmerei ao máximo na
ingestão de poucas calorias, comprei peixes, fiz legumes ao vapor, caminhei a
semana quase toda, fugi dos doces como o diabo da cruz. No encontro nudista da
semana seguinte, digo, no encontro para emagrecer, eu tinha perdido dois
quilos. Quase todos os companheiros de opróbrio
também foram vitoriosos e aos poucos íamos deixando, junto com os quilos a
mais, a timidez.
Falávamos de nossos
sentimentos durante a semana, do que nos motivava a continuar prestando atenção
à alimentação, aos exercícios. Vomitávamos sapos, derramávamos hipócritos
conceitos, chutávamos o balde mesmo, como se diz. O olhar do outro ali sempre
tinha um grande peso, mas esse era incrivelmente leve e só nos ajudava nas
balanças, tanto na física quanto na emocional.
De minha parte, o que eu
queria era parecer melhor e mais agradável aos colegas e a mim mesma. Mudava
por dentro para transparecer por fora. Em casa sentiam a diferença. Minha forma
de tratar a família era outra, o tom crítico dava lugar a uma abordagem mais
compreensiva. A assertividade das colocações aumentava no trabalho também e a
descontração com os amigos era evidente. Mudei as cores das minhas roupas, meu
estilo, cortei o cabelo, caprichei nas unhas. Queria refletir o novo eu que
estava reconstruindo.
Ao cabo de três meses de
programa nosso incentivador mor, no início do encontro, fez outro desenho no
quadro. Era um rosto com um corpo; não
tinha nada de atlético, mas era uno. Muitos sorrisos iluminaram aquela reunião.
Sabíamos que, na realidade, o tratamento ia muito além do corpo, o foco era a
auto-estima, mas, que importa? Ela estava lá no alto mesmo.
***
Fiquei no programa durante uns sete ou oito
meses. Saí de lá com o que a ciência diz ser a faixa recomendável para minha idade,
altura e sexo, mas isso nem de longe foi o principal. Eu agora me gostava,
estava feliz e confiante. Não que eu ache que os obesos tenham problemas com a
felicidade, cada um com seu cada um, com seus parâmetros e seus conceitos, mas,
admito, eu tinha. Aliás, eu e todos os que estavam naquele grupo. Isso descobrimos
depois, quer dizer, nosso mediador nos contou que o critério usado para selecionar
o grupo-teste incluía os que já tinham feito várias tentativas de emagrecer sem
sucesso e se sentiam mal com isso. Eu superei o medo de me encarar desnuda e
sei onde estão cada uma das minhas muitas máscaras. Só que eu, eu não preciso
mais delas.
Três anos já se passaram. Sim, se você
quer saber, continuo magra. Fome? Normal, quer dizer, até hoje de manhã, quando
li no jornal a seguinte manchete, título e subtítulo: Charlatão vende filmes com obesos nus. Falso psicólogo prometia método inovador de emagrecimento. E na
matéria, minha foto, eu ali, nuzinha em pelo, só com um quadradinho disfarçando
meu rosto. Alguém me compre um
chocolate, URGENTE!