domingo, 13 de janeiro de 2013

Jonas, e a baleia?


A música fala do mestre Jonas e da baleia,  mas eu pergunto: 
Jonas, e a baleia?


Das magias de um livro está o poder de fazer-nos pensar o impensado, até então. Eis que me deparo com Melville descrevendo a cabeça de uma baleia. Que coisa mais sem importância para mim, que não nutro sentimento qualquer especial pelos cetáceos. Mas não, a alma é maior do que isto e sim, se interessa.

Descreve-me ele a curiosa visão do cachalote, que tem os diminutos olhos onde temos os ouvidos. Uma visão lateral. Na grande cabeça, composta de muita pele e gordura, o vazio imenso entre os dois olhos abrigado por um único osso, perto da boca, que ficaria, em nós, abaixo do queixo. Que coisa tão diferente!


A baleia enxerga duas imagens distintas simultaneamente, não sei se consegue processar ao mesmo tempo ou como é que é seu funcionamento cerebral, mas isso não me importa, pois o que abstraio dessa leitura é um encantamento muito maior: comparo a limitação de nossa visão de mundo ao conhecido, às imagens que temos, formadas e deformadas a partir do ponto de vista que alcançamos, como no poema de Gibran (veja abaixo), que conheci através da amiga e psicanalista Ceci - a mão vendo o que está ao seu alcance, os ouvidos idem, o nariz também e, o olho, ainda que consiga ver além dos outros sentidos, e portanto para estes esteja a delirar, também é limitado.

Aí penso com seus ouvidos, troco minhas mãos pelas suas, meu nariz por cheiros e odores dessabidos, e meus olhos se fecham para enxergar muito mais: as diferenças, a amplitude das possibilidades. Penso se eu fosse uma baleia (sem trocadilhos, por favor, rsrsrs), se a minha visão de mundo seria limitada ou ampliada pela nova capacidade física, objetiva, como isso afetaria a minha subjetividade.


Acho essa extrapolação tão excitante, discuto com meu filho e ele me diz que o cérebro se adapta e que se passarmos uma semana andando de ponta cabeça - segundo ele essa experiência já foi feita por cientistas - então nosso cérebro inverte as imagens e vemos como se estivéssemos apoiados nos próprios pés. E mais, me conta que se fosse uma baleia andaria meneando a cabeça para os lados, como um neurótico, e teria assim a visão de 360º. Se cansasse, simplesmente andaria de frente, com o pescoço para o lado. Eu digo que poderia andar de lado, que talvez eu andasse de lado, olhando para a frente, e ele diz que eu poderia, mas que seria idiota porque de frente se andaria muito mais rápido. E tece ainda considerações sobre colocar um espelho preso ao rosto e assim ter a visão completa e outras coisas pragmáticas.

Mas, mesmo concordando com essas ponderações, por certo lógicas e inteligentes, meu pensamento vagueia e paro no final da página 375 de Moby Dick:

"Sir William Jones, que lia em trinta idiomas, não era capaz de ler a mais simples face de um camponês em seus mais profundos e sutis sentidos, como pode o inculto Ismael (narrador do livro) pretender ler o que se esconde na fronte de um cachalote? Não faço mais do que simplesmente apresentar essa fronte diante de vós. Lede-a se sois capazes disso."



Poema de Gibran mencionado no texto:

O  OLHO

 
Um dia disse o olho: "Vejo, além destes vales, uma montanha velada pela cerração azul.Não é bela?"
 
O Ouvido pôs-se à escuta e, depois de ter escutado atentamente algum tempo, disse: "Mas onde há qualquer montanha? Não a ouço"
 
Então, a Mão falou: "Estou tentando em vão senti-la ou tocá-la e não encontro montanha alguma".
 
E o Nariz disse:"Não há nenhuma montanha. Não sinto o cheiro"
 
Então o olho voltou-se para outra parte, e todos começaram a conversar sobre a estranha alucinação do Olho.

E diziam: "Há qualquer coisa errada com o olho"
 
                                                 


 

9 comentários:

  1. Muito bom o post, o vídeo (a música), as reflexões (a "viagem" da cronista) e, como a cereja do bolo, o poema de Gibran. Quantas vezes não vemos isso ocorrer na vida? Alguém enxerga mais longe, mas os outros, ignorantes que não conseguem ver, pensam com certeza: "Há qualquer coisa errada com o olho"... Muito bom!!! Parabéns pelo post. É um exemplo de como a leitura mexe com a nossa cabeça e amplia o nosso olhar, a nossa capacidade de ver para além da montanha. Ou seja, "o olho" enxerga mais longe ainda... como no poema.

    ResponderExcluir
  2. Eu acho que os sonhos passam pelos 'olhos' da alma. Por isso vamos tão longe quando nossos sonhos são concretizados. E nem nos damos conta disso porque os sonhos estão bem distantes do nosso entendimento. Quando eles se concretizam nós ficamos assim extasiados...

    Beijos, Rita!

    Sonia Salim



    ResponderExcluir
  3. Muito bom, muito bom. Viajei, as imagens belíssimas, a elaboração do pensamento da Rita é riquíssima, o poema de Gibran que eu não conhecia também, no final fui para dentro da baleia com o Mestre Jonas. O teu filho tem razão, a gente vai se adaptando às circunstâncias, estou tentando introduzir meu pé esquerdo de novo na ativa, ele meio que desaprendeu a andar depois de tantos anos!! :)

    ResponderExcluir
  4. Que texto gostoso de ler! Adorei! Vc tem o dom menina!!! bj

    ResponderExcluir
  5. Rita, que beleza!Quantas considerações podemos fazer quando lemos de verdade e refletimos!Fico felicíssima em saber que está amando o livro recebido.Muito bom.Apoio o que diz Berta.
    Mas ainda me lembro de nossa leitura atual:cada um que vê o outro faz uma imagem e tem diversas visões e faz diferentes
    relatos para um mesmo acontecimento. Então, só podemos pensar em buscar traços comuns dos relatos a ver se aparece a "verdade", se é que há.Bjs.

    ResponderExcluir
  6. Adorei o texto Rita De Cassia Magnago, só não me pus de cabeça para baixo porque estou com uma gripe dos diabos e minha asma não me deixa fazer grandes esforços.

    Sempre me espanta a engenharia do corpo e sua disposição de membros com seus objetivos especificos, diversos e díspares. Fico sempre a pensar o que agrega tudo isso num consenso? Agora, me encantou a possibilidade da subjetividade ser alterada, e a ideia digladia com a de seu filho e ressoa em meus ouvidos e mente como um mantra "o cérebro se adapta". Ô maquina infernal essa gente.

    ResponderExcluir
  7. Queridos, que bom poder trocar essas impressões com vocês. Como diz novaes/, a leitura mexe muito com a nossa cabeça, tanto que Sonia e Rose viajaram que nem eu, Elô, quem me deu o livro de amigo oculto, endossou as reflexões, e Helene, sempre brincalhona, fez gracinha e filosofou. É isso, há cinquenta tons coloridos por aqui, e em geral é fora da lista dos best sellers que encontramos os maiores tesouros.

    ResponderExcluir
  8. Rita , esse seria mais um belo livro a entrar em votação.Que tal?rsr
    Bjs

    ResponderExcluir
  9. Salve, Marilu. O livro é um clássico, não sei quantas pessoas no CLIc já leram. Estou gostando muito, ainda não terminei porque tem mais de quinhentas páginas, o que pode desanimar alguns... Talvez fosse melhor sugeri-lo para a leitura dos clássicos? Se vc sugerir, eu apoio, seja de que forma for. Obrigada por participar.

    ResponderExcluir