terça-feira, 5 de junho de 2012

Salve Mia Couto!


Três dias de leitura atenta, prazerosa, curiosa, encantadora. Como posso achar os adjetivos certos para esse moçambicano que poetisa toda sua prosa? Haveria de dizer algo como “pensei que a gastança das emoções já tivesse me consumido toda, mas meu coração inda encontrou verde nesse pasto onde os homens deixaram secar seus corações, sob o sol dos negócios, à sombra dos amores”. Ah Mia Couto, eu queria poder te criar se não existisses.

O livro Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra é simplesmente M A R A V I L H O S O. Leitura para quem ama e não se envergonha. Poder sentir a sabedoria da Mãe África através de frases tão lindas, costumes tão significativos... Um realismo que seria fantástico mesmo se não o fosse, tão impressionante é o estilo, a composição, a justaposição das palavras, escolhidas uma a uma. Fico pensando quanto tempo o autor se debruçou sobre as letras para nos brindar com essa pérola...

Não há um senão nesta obra, perfeita de cabo a rabo, completa no lirismo, na prosa poética, que inspira e transpira os melhores sentimentos, para nós e em nós, lembrando-nos de que, apesar de todo o tecnicismo de nossa era, ainda permanecemos humanos.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Não denunciar é um abuso à nossa dignidade


Que rebuliço a entrevista de Xuxa ao Fantástico! Eu soube na segunda, pelo jornal, e hoje fui procurar a dita cuja no youtube para ver se me passava verdade. Passou, mas isso nem importa. Impressionante foi o retorno que deu. Mais de 220 mil denúncias de abuso sexual feitas desde a noite de domingo, um recorde e tanto para o serviço de Disque Denúncia. E um recorde alarmante e assustador. Que país é esse minha gente?

No vídeo, mais pro final, Xuxa fala de vergonha, culpa, medo, falta de experiência, sensação de sujeira, de estar errada, mudança de comportamento, introspecção, recolhimento. Na infância e a adolescência parece que esses sentimentos estão todos aumentados, tamanha é nossa insegurança com a gente e com o mundo. Os adultos precisam ajudar, perceber, conversar, orientar.

Acho que esse é um dos motivos pelos quais sou fã das séries tipo "Law and Order" que abordam muito essa problemática. Vejo para conhecer, estar atenta, notar algum detalhe, poder alertar minhas filhas, dar algum tipo de segurança, apoiar. Acho isso fundamental. É preciso que desenvolvamos ao máximo essa capacidade observadora que às vezes temos tão tímida e usá-la a nosso favor. Muito difícil conhecer a si próprio, imagina aos outros. E ter a coragem de se expor, expor seus familiares, mostrar seus fantasmas, deixar a hipocrisia de lado uma vez que seja, me faz acreditar na força de um exemplo do bem. Estava mesmo precisando.

sábado, 5 de maio de 2012

PARA OLHOS DE VER E SENTIR

 
O caderno ELA de hoje, 5 de maio, traz lindas fotos do povo angolano herero (aliás em exposição no Museu Histórico Nacional), mas o que fica cristalizado para mim são as formas múltiplas de se viver as diferenças, sem certo ou errado, combinações distintas eleitas por povos de tantas etnias.

Se me fosse dado escolher, onde é que meu coração quereria nascer? Tão arraigados que estamos aos nossos costumes, sabemos ainda onde está a relativização dentro de nós?



A cultura me vem aos olhos
marejados
pela poética da diferença
de tantas tribos
que somos nós.

Saudo os hereres
polígamos nos quais
pais não se importam
em saber se criam
a prole de seu sangue.
Ora, se criam, são seus.

A simplicidade com que
podemos terminar com
rixas, rachas, dores, mortes
é isso que assusta-me o coração
já viciado com o pó ocidental,
a maquiagem que forja beleza
e professa falsa certeza
onde há pequenez e rudeza.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

PARA VOVÓ NAIR

Divido com vocês memórias preciosas de uma vida, a da minha avó. Para quem a conheceu e conviveu com ela, poderá se lembrar de várias das minhas recordações e contribuir com tantas outras que não me ocorreram. Para quem não teve esse privilégio, mas certamente tem de quem valha a pena se lembrar com carinho, fica o gesto, a homenagem aos que nos deixaram tanta coisa, às vezes sem sequer sabê-lo.



PARA VOVÓ NAIR


Ela já tinha 95,
caminhava com bengala,
se apoiava em mãos amigas,
trazia no rosto um semblante tranquilo.
O olhar assim calmo,
sem brilho nem sobressalto,
o sorriso discreto, semi-aberto
as rugas, várias,
mas suaves ao toque,
a voz, baixinha, ligeiramente rouca.

Não havia dureza naquele corpo,
nada era áspero ou viril,
no entanto, dali veio tanta vida,
um lar que além dos seis filhos,
abrigou netos, genros e noras
por anos generosos de maturidade.

Lembro-me da mangueira no jardim,
do balanço feito pelo vovô,
do viveiro de periquitos a cantar e encantar
com suas cores, misturadas e alegres.
O fogo ardendo na frigideira de ferro
que fazia aquele bife supremo, acebolado,
o nhoque caseiro,
cortado na mesa de fórmica vermelha,
salpicada de trigo,
cores, formas e texturas
que encantavam a nós todos,
crianças ainda e sempre.

(E lá vem o Red, bonzinho,
deixando a gente pintar e bordar com ele,
salvem os vira-latas!)

Como esquecer os jogos de buraco,
copas-fora, sueca?
Ela comprava várias cartas juntas,
e fazia cara de honesta,
mas não brigava, ao contrário,
era capaz de entregar o jogo
para agradar ao marido.

E as mímicas do embornal?
Impagáveis.
A velha senhora andando soberba,
como quem carregasse um tesouro,
e carregava mesmo,
toda aquela vida que frutificou tanto...

Essa velha senhora que já partiu
cumpriu uma importante missão,
ao longo dos anos,
foi perdendo a brabeza
de uma mãe pobre e atarefada,
deixando-se abrandar pela vida,
já menos difícil,
e não sendo chata, nem um pouquinho,
dava lá uns palpites machistas,
e outros preconceituosos,
mas isso só provava o profundo
das marcas de uma criação rigorosa.
Quem não as tem?
Ainda que o rigor venha de si mesmo...

Hoje me deu uma saudade dela,
de sua presença perfumada,
em paz consigo.

Drumond já perguntou
se o homem morre quando morre.
Eu acho que não.
O homem morre quando não vive mais
na terra ninguém que dele se lembre com
afeto e saudade.
Por isso minha avó querida,
que tantos bisnetos deixou,
ainda há de viver muito,
pelos biquinhos de croché dos calendários,
ano a ano,
pelo gosto que ficou
do doce de abóbora com côco,
pelas histórias de colher laranja
no pé, na roça,
Para mim ela ainda costura,
como fazia, sua colcha de retalhos,
onde cada pedacinho colorido,
(que algum desavisado podia achar ser nada)
é uma recordação nossa,
resgatada e emendada
mostrando a força do seu passado
na vida da gente.
Beijo grande, vovó. 

  

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Corra Lola, corra

Noutro dia minha filha de 11 anos estava lendo um livro pela metade, mais ou menos, e eu comentei:
- Tá legal esse livro?
- Não sei ainda, comecei há pouco.
- Ué, como é que você já está aí então?
- É que o começo do livro é chato, então eu vou logo bem mais pra frente.

E fez com a mão um gesto de lenga-lenga para mostrar que o ritmo das primeiras páginas deixava a desejar à sua volúpia de leitora mirim, ávida por aventuras. E olha que era um livro tipo série, de uma autora admirada - ela já leu outros e gosta do estilo. Imagina se não gostasse...

Ah, as crianças. Que sabedoria nos trazem. Eu disse pra ela que se resolvesse escrever um livro, um dia, também ia começar pelo meio. Deve mesmo ser por isso que muitos cineastas trazem às telas películas onde entender o tempo em que se passam as ações faz parte da compreensão da obra, além naturalmente de ser interessante para prender mais a atenção do expectador - do contrário o pobre não entenderá patavinas.

Lembrei também que recentemente li no jornal um comentário sobre a ótima audiência de uma novela recém estreada onde acontece um monte de coisas no capítulo inicial, a mulher faz uma M com a filha do cara, a menininha conta ao pai, que vai desmascarar a safada, mas acaba morrendo em um acidente. A viúva então conhece um jogador de futebol, vê nisso a oportunidade de enricar, casa com ele, etc, etc e já aparece abastada muitos anos depois.

Caramba, será que daqui pra frente só o que for dinâmico, rápido, corrido vai ter vez na cabeça das novas gerações? A aposta do twitter, facebook e outros sites de relacionamento parece indicar que sim. Eu, porém, gostaria de reavaliar esses caminhos, mas vai ficar para outro post, para não cansar vocês, rsrsrs.

P.S: Enquanto esperam, saboreiem a frase do Joel Santana sobre o jogo de sábado entre Flamengo e Vasco: "No futebol, as coisas mudam com uma rapidez muito rápida". 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Saudades do Chico

Nesses dias sem Chico, o Anísio, uma singela homenagem ao versátil ator que soube nos fazer rir em tantos momentos.
 
Um pouco de poesia,
falemos de alegria
que a morte já levou o humor
deixando menos um sorriso, dissabor

entre tantos que também somos,
personagens de nós mesmos, em gomos
partidos ou revelados
secos ou apenas digitalizados

o professor, o político corrupto, 
a mulher, o mentiroso, o gay,
o ator, o soberbo, faltou o rei,

esse singular que levou o plural.
Quem anima agora a festa?
Nós mesmos, é sempre o que resta.

terça-feira, 20 de março de 2012

Brasil, um sonho partido

Sonhei que morava em um país onde não havia corrupção e a verba, mesmo a que não se julgava suficiente ou ideal para uma determinada aplicação, era utilizada naquele propósito. Esse país não precisava ostentar luxo ou riqueza em seus tribunais de (in)justiça. Os prédios eram simples, mas honestos e funcionais, como o povo. As leis eram poucas e curtas, mas cumpridas. Quando se importava um bem caro, como por exemplo um trem moderno, ele não vinha equipado com painéis de LED, TVs de plasma ou câmeras de monitoramento interno, mas era limpo, confortável, seguia os horários à risca e não superlotava. A população podia, efetivamente, ir de um ponto ao outro sem contratempos, o que era seu objetivo principal.

Nesse sonho, a ética das licitações era simplesmente entregar uma proposta enxuta para atender aos serviços solicitados, sem 10, ou 15 ou 20% para compradores, mediadores, facilitadores ou outras dores quaisquer que sofremos todos quando não há ética.

Infelizmente, quando eu acordei continuava no Brasil. Desanimada, cansada, desesperançada de ver que as coisas não mudam e que denúncias de absurdos caem fácil no esquecimento das gentes, no abandono dos governantes e na perdição do povo, cuja maioria, se pudesse, faria igual a todos esses inescrupulosos. Nem posso reclamar ao papa, porque não sou católica, então desabafo meu choro de saudade de um país que nunca conheci, mas com o qual sempre sonhei. Quem vai sonhar comigo? Quem vai realizar comigo?

Esse ano temos eleições. 
Tim Maia já nos alertava. 
Não nos esqueçamos. 
O povo tem o governo que merece.