quinta-feira, 12 de abril de 2012

PARA VOVÓ NAIR

Divido com vocês memórias preciosas de uma vida, a da minha avó. Para quem a conheceu e conviveu com ela, poderá se lembrar de várias das minhas recordações e contribuir com tantas outras que não me ocorreram. Para quem não teve esse privilégio, mas certamente tem de quem valha a pena se lembrar com carinho, fica o gesto, a homenagem aos que nos deixaram tanta coisa, às vezes sem sequer sabê-lo.



PARA VOVÓ NAIR


Ela já tinha 95,
caminhava com bengala,
se apoiava em mãos amigas,
trazia no rosto um semblante tranquilo.
O olhar assim calmo,
sem brilho nem sobressalto,
o sorriso discreto, semi-aberto
as rugas, várias,
mas suaves ao toque,
a voz, baixinha, ligeiramente rouca.

Não havia dureza naquele corpo,
nada era áspero ou viril,
no entanto, dali veio tanta vida,
um lar que além dos seis filhos,
abrigou netos, genros e noras
por anos generosos de maturidade.

Lembro-me da mangueira no jardim,
do balanço feito pelo vovô,
do viveiro de periquitos a cantar e encantar
com suas cores, misturadas e alegres.
O fogo ardendo na frigideira de ferro
que fazia aquele bife supremo, acebolado,
o nhoque caseiro,
cortado na mesa de fórmica vermelha,
salpicada de trigo,
cores, formas e texturas
que encantavam a nós todos,
crianças ainda e sempre.

(E lá vem o Red, bonzinho,
deixando a gente pintar e bordar com ele,
salvem os vira-latas!)

Como esquecer os jogos de buraco,
copas-fora, sueca?
Ela comprava várias cartas juntas,
e fazia cara de honesta,
mas não brigava, ao contrário,
era capaz de entregar o jogo
para agradar ao marido.

E as mímicas do embornal?
Impagáveis.
A velha senhora andando soberba,
como quem carregasse um tesouro,
e carregava mesmo,
toda aquela vida que frutificou tanto...

Essa velha senhora que já partiu
cumpriu uma importante missão,
ao longo dos anos,
foi perdendo a brabeza
de uma mãe pobre e atarefada,
deixando-se abrandar pela vida,
já menos difícil,
e não sendo chata, nem um pouquinho,
dava lá uns palpites machistas,
e outros preconceituosos,
mas isso só provava o profundo
das marcas de uma criação rigorosa.
Quem não as tem?
Ainda que o rigor venha de si mesmo...

Hoje me deu uma saudade dela,
de sua presença perfumada,
em paz consigo.

Drumond já perguntou
se o homem morre quando morre.
Eu acho que não.
O homem morre quando não vive mais
na terra ninguém que dele se lembre com
afeto e saudade.
Por isso minha avó querida,
que tantos bisnetos deixou,
ainda há de viver muito,
pelos biquinhos de croché dos calendários,
ano a ano,
pelo gosto que ficou
do doce de abóbora com côco,
pelas histórias de colher laranja
no pé, na roça,
Para mim ela ainda costura,
como fazia, sua colcha de retalhos,
onde cada pedacinho colorido,
(que algum desavisado podia achar ser nada)
é uma recordação nossa,
resgatada e emendada
mostrando a força do seu passado
na vida da gente.
Beijo grande, vovó. 

  

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Corra Lola, corra

Noutro dia minha filha de 11 anos estava lendo um livro pela metade, mais ou menos, e eu comentei:
- Tá legal esse livro?
- Não sei ainda, comecei há pouco.
- Ué, como é que você já está aí então?
- É que o começo do livro é chato, então eu vou logo bem mais pra frente.

E fez com a mão um gesto de lenga-lenga para mostrar que o ritmo das primeiras páginas deixava a desejar à sua volúpia de leitora mirim, ávida por aventuras. E olha que era um livro tipo série, de uma autora admirada - ela já leu outros e gosta do estilo. Imagina se não gostasse...

Ah, as crianças. Que sabedoria nos trazem. Eu disse pra ela que se resolvesse escrever um livro, um dia, também ia começar pelo meio. Deve mesmo ser por isso que muitos cineastas trazem às telas películas onde entender o tempo em que se passam as ações faz parte da compreensão da obra, além naturalmente de ser interessante para prender mais a atenção do expectador - do contrário o pobre não entenderá patavinas.

Lembrei também que recentemente li no jornal um comentário sobre a ótima audiência de uma novela recém estreada onde acontece um monte de coisas no capítulo inicial, a mulher faz uma M com a filha do cara, a menininha conta ao pai, que vai desmascarar a safada, mas acaba morrendo em um acidente. A viúva então conhece um jogador de futebol, vê nisso a oportunidade de enricar, casa com ele, etc, etc e já aparece abastada muitos anos depois.

Caramba, será que daqui pra frente só o que for dinâmico, rápido, corrido vai ter vez na cabeça das novas gerações? A aposta do twitter, facebook e outros sites de relacionamento parece indicar que sim. Eu, porém, gostaria de reavaliar esses caminhos, mas vai ficar para outro post, para não cansar vocês, rsrsrs.

P.S: Enquanto esperam, saboreiem a frase do Joel Santana sobre o jogo de sábado entre Flamengo e Vasco: "No futebol, as coisas mudam com uma rapidez muito rápida". 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Saudades do Chico

Nesses dias sem Chico, o Anísio, uma singela homenagem ao versátil ator que soube nos fazer rir em tantos momentos.
 
Um pouco de poesia,
falemos de alegria
que a morte já levou o humor
deixando menos um sorriso, dissabor

entre tantos que também somos,
personagens de nós mesmos, em gomos
partidos ou revelados
secos ou apenas digitalizados

o professor, o político corrupto, 
a mulher, o mentiroso, o gay,
o ator, o soberbo, faltou o rei,

esse singular que levou o plural.
Quem anima agora a festa?
Nós mesmos, é sempre o que resta.

terça-feira, 20 de março de 2012

Brasil, um sonho partido

Sonhei que morava em um país onde não havia corrupção e a verba, mesmo a que não se julgava suficiente ou ideal para uma determinada aplicação, era utilizada naquele propósito. Esse país não precisava ostentar luxo ou riqueza em seus tribunais de (in)justiça. Os prédios eram simples, mas honestos e funcionais, como o povo. As leis eram poucas e curtas, mas cumpridas. Quando se importava um bem caro, como por exemplo um trem moderno, ele não vinha equipado com painéis de LED, TVs de plasma ou câmeras de monitoramento interno, mas era limpo, confortável, seguia os horários à risca e não superlotava. A população podia, efetivamente, ir de um ponto ao outro sem contratempos, o que era seu objetivo principal.

Nesse sonho, a ética das licitações era simplesmente entregar uma proposta enxuta para atender aos serviços solicitados, sem 10, ou 15 ou 20% para compradores, mediadores, facilitadores ou outras dores quaisquer que sofremos todos quando não há ética.

Infelizmente, quando eu acordei continuava no Brasil. Desanimada, cansada, desesperançada de ver que as coisas não mudam e que denúncias de absurdos caem fácil no esquecimento das gentes, no abandono dos governantes e na perdição do povo, cuja maioria, se pudesse, faria igual a todos esses inescrupulosos. Nem posso reclamar ao papa, porque não sou católica, então desabafo meu choro de saudade de um país que nunca conheci, mas com o qual sempre sonhei. Quem vai sonhar comigo? Quem vai realizar comigo?

Esse ano temos eleições. 
Tim Maia já nos alertava. 
Não nos esqueçamos. 
O povo tem o governo que merece.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Vem aí o Dia Internacional da Mulher. Temos o que comemorar?



Semana passada minha amiga Eloísa enviou-me um texto de Affonso Romano Santanna sobre os homens que precisam de reparos. Foi a gota d´água. Apenas uns dias antes eu havia lido no jornal duas matérias escabrosas de absoluto desrespeito a nós, mulheres. Todo mundo já sabe dos horrores que acontecem no Afeganistão e países vizinhos, mas o marido com a ajuda da sogra matar uma mulher porque ela teve a terceira filha e pais afegãos residentes no Canadá afogarem três adolescentes porque elas aderiram às roupas e aos costumes ocidentais foi demais pra mim. E daqui a pouco estaremos comemorando o dia internacional da mulher. Estaremos?

Sempre achei que essas celebrações, se não houvesse grande preconceito, não existiriam. Afinal, quem comemora o dia dos homens? Agora índios, negros, mulheres, esses como ainda são marginalizados, precisam da ‘reverência’.

Acho importante é o olhar crítico, o gesto assertivo, a atuação indubitável pela igualdade de condições, de oportunidades, de vida digna. E isso passa pela educação que damos aos nossos rebentos, desde muito cedo. Das tarefas domésticas que devem ser divididas e ensinadas a ambos os sexos, do ‘pode e não pode’ para meninos e meninas, no namoro, nas festinhas, na vida social e por aí vai.

Não é só dar cultura à mulher. Não somos dondocas mimadas, trabalhamos, produzimos, ajudamos ou até sustentamos sozinhas nossos lares, pensamos, temos opinião sobre tudo, e além disso, gostamos de nos arrumar bonitinhas e perfumadas, ora bolas. Lembre-se disso no 8 de março e façamos a nossa parte para que em breve essa data não precise mais nos recordar que ainda não temos os mesmos direitos.

P.S: A foto é de 1909 e marca um protesto de mulheres contra as péssimas condições de trabalho das operárias da indústria do vestuário de Nova York. A maioria acabou sendo trancada na fábrica e queimada vivo. Essa é uma das origens da nossa atual ‘celebração’.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CORPOS AO LIXO


Absolutamente impressionante a tragédia que culminou com tantas mortes no desabamento dos três prédios no centro do Rio. Impressionante não apenas pelo ruir do prédio maior, que arrastou e arrasou os dois menores, mas porque o que fizeram nossa prefeitura, bombeiros e defesa pública foi priorizar a remoção imediata dos escombros, livrar as ruas interditadas do caos no trânsito o quanto antes, devolver uma pretensa normalidade ao centro nervoso da cidade.

Mas, pergunto, e as vidas? Não era para ser essa a prioridade, achar sobreviventes enterrados, esmagados entre vigas e pó? A vida de um homem vale nada? Como explicar que pedaços de corpos sejam ‘achados’ nos terrenos que receberam o despejo dos entulhos? Partes que podem ter sido apartadas e condenadas por ações apressadas e descuidadas de gigantes pás mecânicas movidas pela ordem sem pena da produtividade à toda prova. Um horror, uma vergonha, um descalabro.

Felizmente nem só de tragédias vive o homem. Salve o empresário britânico que dividiu os lucros com a venda de sua empresa de transporte entre os funcionários. Enfim uma alma que se salva. Bem se viu que não era político.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A caixa preta do leitor


Ano passado eu li 24 livros. Da maioria, gostei muito. E fiquei pensando afinal do que eu gostei, se os livros eram tão diferentes, na temática, no estilo, na natureza dos escritores.

Acho que o que mais gosto em um livro, em um conto, em uma poesia, é a capacidade de ser presa e arrastada para uma estória onde, a princípio, não estou, e depois ser surpreendida e arrebatada pelo seu desenlace para finalmente me ver nessa estória, questionando-me sobre o que foi mais marcante para mim, como e porque, e se isso vai mudar alguma coisa em mim, no meu comportamento, de que forma impacta minha vida.

Para mim, receita de bolo é para bolo. Um bom texto tem que instigar o leitor a pensar por si, a concluir por si, e só dar os elementos. Claro, se fizer isso com poesia, humor, irreverência, profundidade, perspicácia, sentimento ... se convencer, será muito mais ainda que um bom livro. E que bom que temos tantos ótimos livros.

Quanto às críticas, que podem às vezes serem expressas sob formas de notas, quaisquer notas, acho que também são muito válidas. Imagine-se um escritor. O que ouço de muitos deles, em entrevistas, é que observam o comportamento do homem comum e passam a imaginar situações que ele vive, que ele poderia viver, tentam se colocar em seu lugar para viver aquela realidade e nos fazê-la viver igualmente. Então, imagine-se novamente um escritor. Você gostaria de ouvir elogios a sua obra, por certo, mas talvez também gostasse de críticas, para evoluir, para mapear seu público alvo, para ver o que seus olhos, limitados pela abrangência da sua ‘visão’ pessoal, não te possibilitaram. O leitor é esse terceiro olho, ou quarto, ou quinto, é seu olho ‘n’, tão múltiplo quanto a vida.