sexta-feira, 6 de julho de 2012

(In)surjamo-nos



Pouco mais de um ano após a catástrofe em Fukushima, sai o relatório dos especialistas. Não foi só a mãe natureza a causadora de tamanha desgraça, dizem eles, mas seus filhos. Ao que parece, um conluio para abafar a sempre relegada segurança e manter bem vivo o interesse econômico ganhou o primeiro tempo. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi a fala do presidente da comissão investigativa:

“A cultura japonesa – com traços de obediência e relutância em questionar autoridades – teve papel fundamental.”

Uau! Não é pouca coisa. E onde se ensina a questionar, a duvidar, a sentir-se no direito de interpelar, inclusive os poderosos? E onde se aprende a valorizar opiniões contrárias, respeitar o homem comum que é a base de qualquer sociedade?

É hora de nos questionarmos todos, sempre e sobretudo sobre tudo. Repensemos os conceitos, os pr(é)conceitos. Não há vespeiro onde não se possa mexer com os instrumentos adequados. Bons livros ajudam muito a abrir a mente para além da linha do horizonte e uma cabeça mudada é um mundo diferente que se descortina. Daí surge nosso melhor, quiçá insurgir-nos-emos! 

sábado, 30 de junho de 2012

Um Nabokov para digerir



Termino a leitura de Lolita aliviada. Saí de uma náusea intermitente sem precisar vomitar, e isso não é uma crítica. O livro é magistralmente escrito e transmite ao leitor cada sensação impressa, letra por letra.

Para mim, foi difícil. Sempre tive a busca do entendimento como fim e, embora hoje faça uma força danada para não precisar compreender tudo que leio, que vivo ou tenho informação, sei que muitos e muitos degraus estão à minha frente. Então, não captando o comportamento de um psicopata, de um pedófilo, de um maníaco, é bem intragável ler sua busca incessante por um prazer tão intenso quanto efêmero.

Ao mesmo tempo é um exercício de paciência, de compartilhamento da dor - alheia por acaso e circunstância - de transposição de barreiras, de superação de preconceitos, de ampliação de horizontes. É um exercício de vida.

Louvo, ademais, a coragem do autor em não usar um pseudônimo para sua obra-filha, digo, obra-prima. Ele bem que pensou nisso, mas assumiu o que milhares de pessoas certamente criticaram sem dó alguma. Superou a recusa de inúmeras editoras para depois receber uma tempestade de adjetivos imundos. Mas, como de outra forma enfrentar nossos piores medos? 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Uma forma criativa de estudar



Prezados internautas,o texto que se segue foi escrito pela minha filha Helena, depois de uma sugestão do pai para ela estudar uma matéria que não curte muito:ciências. Em que pese o fato de, como quase toda mãe, eu ser coruja, achei um ótimo texto. Divido com vocês.

Capítulo Um
                
    Era uma vez uma menina chamada Luana, o nome dela se originou da Lua, talvez porque Luana amava o espaço, ou talvez porque fosse um nome bonito. Luana nasceu na Terra, e desde pequena sonhava em viajar para a Lua, e viver com os E.T.'s .  Ela tinha uma imaginação muito fértil. Quando criança, sua mãe, Lagunna, a trouxe para visitar a Via Láctea, ela se divertiram muito, porém, no final da viagem, a mãe de Luana avistou um meteoro vindo em direção à nave, rapidamente abriu a porta, e jogou Luana para fora. Chorando, a mãe disse: Eu Te Am...E em lágrimas comovedoras ela explodiu, junto à nave, e ao meteoro. Desde então, Luana vive ali, sozinha e independente. Até que um dia ...
    - Olá! Achei que não existisse ninguém aqui... ~disse uma menina se aproximando da Lua~
- Oi! E eu achei que ninguém viria para cá. ~Acrescentou Luana~
- Qual seu nome? ~Perguntou já pousando sua nave~
- Luana, e o seu? ~Respondeu educadamente~
- Zathura! O que você está fazendo aqui? ~Perguntou já com os pés na Lua~
- É uma longa história, mas vivo aqui desde pequena.
- Nossa! Como aprendeu a falar? ~Zathura se surpreendeu~
- Eu aprendi muitas coisas aqui. Sabia que o Universo tem várias galáxias que contém bilhões de estrelas, que, por sua vez, contêm planetas, assim como a Terra?!
- Sem querer ofender, mas eu sabia, aprendi na escola.. ~Zathura falou meio sem graça~
- Ah sim, e também que os astros não estão apoiados em nada, todos estão em movimento, uns atraindo outros por meio de uma força chamada força gravitaçional. ~Luana se sentiu~
- Disso eu não sabia, mas eu sei tudo sobre o Sol e a Terra, Luana. ~Zathura se defendeu~
- Prove. ~Luana desafiou Zathura~
- Está Bem. Quando está de noite na Terra, do outro lado do mundo está dia, devido ao movimento de rotação da Terra, e a rotação da Terra é o movimento giratório que a Terra realiza em torno do seu eixo.  ~Explicou Zathura~
- Ah, isso eu sei. ~Luana fez questão de dizer~
- Mas você sabia que ... ~No momento em que ela ia terminar a frase, uma luz forte veio da escuridão, e foi se aproximando, quando finalmente a luz diminuiu, elas viram, era um alien.~
- AI MEU DEUS !! ~As duas disseram, uma correndo para abraçar a outra~
- Fiquem calmas. E, sim, eu falo a língua de vocês, lá de Marte dá para ouvir a discussão de vocês, pelo amor de deus né, poderiam falar mais baixo, por favor? E também percebi que ambas são muito espertas, estão de parabéns. Mas caso queiram saber, a atmosfera é um conjunto de camadas que envolve a Terra, estudamos isso no meu planeta. Adeus.


 FIM
Autora: Helena de Sant' Anna Barra
Idade: 11 anos
Série: 5ª
Baseado: Capitulo um do livro de ciências

terça-feira, 5 de junho de 2012

Salve Mia Couto!


Três dias de leitura atenta, prazerosa, curiosa, encantadora. Como posso achar os adjetivos certos para esse moçambicano que poetisa toda sua prosa? Haveria de dizer algo como “pensei que a gastança das emoções já tivesse me consumido toda, mas meu coração inda encontrou verde nesse pasto onde os homens deixaram secar seus corações, sob o sol dos negócios, à sombra dos amores”. Ah Mia Couto, eu queria poder te criar se não existisses.

O livro Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra é simplesmente M A R A V I L H O S O. Leitura para quem ama e não se envergonha. Poder sentir a sabedoria da Mãe África através de frases tão lindas, costumes tão significativos... Um realismo que seria fantástico mesmo se não o fosse, tão impressionante é o estilo, a composição, a justaposição das palavras, escolhidas uma a uma. Fico pensando quanto tempo o autor se debruçou sobre as letras para nos brindar com essa pérola...

Não há um senão nesta obra, perfeita de cabo a rabo, completa no lirismo, na prosa poética, que inspira e transpira os melhores sentimentos, para nós e em nós, lembrando-nos de que, apesar de todo o tecnicismo de nossa era, ainda permanecemos humanos.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Não denunciar é um abuso à nossa dignidade


Que rebuliço a entrevista de Xuxa ao Fantástico! Eu soube na segunda, pelo jornal, e hoje fui procurar a dita cuja no youtube para ver se me passava verdade. Passou, mas isso nem importa. Impressionante foi o retorno que deu. Mais de 220 mil denúncias de abuso sexual feitas desde a noite de domingo, um recorde e tanto para o serviço de Disque Denúncia. E um recorde alarmante e assustador. Que país é esse minha gente?

No vídeo, mais pro final, Xuxa fala de vergonha, culpa, medo, falta de experiência, sensação de sujeira, de estar errada, mudança de comportamento, introspecção, recolhimento. Na infância e a adolescência parece que esses sentimentos estão todos aumentados, tamanha é nossa insegurança com a gente e com o mundo. Os adultos precisam ajudar, perceber, conversar, orientar.

Acho que esse é um dos motivos pelos quais sou fã das séries tipo "Law and Order" que abordam muito essa problemática. Vejo para conhecer, estar atenta, notar algum detalhe, poder alertar minhas filhas, dar algum tipo de segurança, apoiar. Acho isso fundamental. É preciso que desenvolvamos ao máximo essa capacidade observadora que às vezes temos tão tímida e usá-la a nosso favor. Muito difícil conhecer a si próprio, imagina aos outros. E ter a coragem de se expor, expor seus familiares, mostrar seus fantasmas, deixar a hipocrisia de lado uma vez que seja, me faz acreditar na força de um exemplo do bem. Estava mesmo precisando.

sábado, 5 de maio de 2012

PARA OLHOS DE VER E SENTIR

 
O caderno ELA de hoje, 5 de maio, traz lindas fotos do povo angolano herero (aliás em exposição no Museu Histórico Nacional), mas o que fica cristalizado para mim são as formas múltiplas de se viver as diferenças, sem certo ou errado, combinações distintas eleitas por povos de tantas etnias.

Se me fosse dado escolher, onde é que meu coração quereria nascer? Tão arraigados que estamos aos nossos costumes, sabemos ainda onde está a relativização dentro de nós?



A cultura me vem aos olhos
marejados
pela poética da diferença
de tantas tribos
que somos nós.

Saudo os hereres
polígamos nos quais
pais não se importam
em saber se criam
a prole de seu sangue.
Ora, se criam, são seus.

A simplicidade com que
podemos terminar com
rixas, rachas, dores, mortes
é isso que assusta-me o coração
já viciado com o pó ocidental,
a maquiagem que forja beleza
e professa falsa certeza
onde há pequenez e rudeza.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

PARA VOVÓ NAIR

Divido com vocês memórias preciosas de uma vida, a da minha avó. Para quem a conheceu e conviveu com ela, poderá se lembrar de várias das minhas recordações e contribuir com tantas outras que não me ocorreram. Para quem não teve esse privilégio, mas certamente tem de quem valha a pena se lembrar com carinho, fica o gesto, a homenagem aos que nos deixaram tanta coisa, às vezes sem sequer sabê-lo.



PARA VOVÓ NAIR


Ela já tinha 95,
caminhava com bengala,
se apoiava em mãos amigas,
trazia no rosto um semblante tranquilo.
O olhar assim calmo,
sem brilho nem sobressalto,
o sorriso discreto, semi-aberto
as rugas, várias,
mas suaves ao toque,
a voz, baixinha, ligeiramente rouca.

Não havia dureza naquele corpo,
nada era áspero ou viril,
no entanto, dali veio tanta vida,
um lar que além dos seis filhos,
abrigou netos, genros e noras
por anos generosos de maturidade.

Lembro-me da mangueira no jardim,
do balanço feito pelo vovô,
do viveiro de periquitos a cantar e encantar
com suas cores, misturadas e alegres.
O fogo ardendo na frigideira de ferro
que fazia aquele bife supremo, acebolado,
o nhoque caseiro,
cortado na mesa de fórmica vermelha,
salpicada de trigo,
cores, formas e texturas
que encantavam a nós todos,
crianças ainda e sempre.

(E lá vem o Red, bonzinho,
deixando a gente pintar e bordar com ele,
salvem os vira-latas!)

Como esquecer os jogos de buraco,
copas-fora, sueca?
Ela comprava várias cartas juntas,
e fazia cara de honesta,
mas não brigava, ao contrário,
era capaz de entregar o jogo
para agradar ao marido.

E as mímicas do embornal?
Impagáveis.
A velha senhora andando soberba,
como quem carregasse um tesouro,
e carregava mesmo,
toda aquela vida que frutificou tanto...

Essa velha senhora que já partiu
cumpriu uma importante missão,
ao longo dos anos,
foi perdendo a brabeza
de uma mãe pobre e atarefada,
deixando-se abrandar pela vida,
já menos difícil,
e não sendo chata, nem um pouquinho,
dava lá uns palpites machistas,
e outros preconceituosos,
mas isso só provava o profundo
das marcas de uma criação rigorosa.
Quem não as tem?
Ainda que o rigor venha de si mesmo...

Hoje me deu uma saudade dela,
de sua presença perfumada,
em paz consigo.

Drumond já perguntou
se o homem morre quando morre.
Eu acho que não.
O homem morre quando não vive mais
na terra ninguém que dele se lembre com
afeto e saudade.
Por isso minha avó querida,
que tantos bisnetos deixou,
ainda há de viver muito,
pelos biquinhos de croché dos calendários,
ano a ano,
pelo gosto que ficou
do doce de abóbora com côco,
pelas histórias de colher laranja
no pé, na roça,
Para mim ela ainda costura,
como fazia, sua colcha de retalhos,
onde cada pedacinho colorido,
(que algum desavisado podia achar ser nada)
é uma recordação nossa,
resgatada e emendada
mostrando a força do seu passado
na vida da gente.
Beijo grande, vovó.